Pesquisar este blog

Seguidores

Total de visualizações de página


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Presentes

Letícia já está me lembrando que daqui a um mês e trinta e um dias será o aniversário dela. Essa lembrança com bastante antecedência tem o cheque da cobrança de qual presente ela irá ganhar. Isto porque ontem ganhei de presente, pela passagem do dia dos pais, um presente dela e Maurinete. O presente foi o volume três da coleção ‘O Pasquim: antologia, volume III, 1973-1974’. Os outros dois volumes eu já tinha. Elas já sabem que quando se trata de presente, comigo não tem problema. É só descobrir o livro que eu estou querendo comprar e pronto, a questão está resolvida.
Já Letícia, por onde ela passa e tem alguma coisa que lhe interessa ela já vai logo falando: “ah, eu quero ganhar isso no meu aniversário; ah, eu quero ganhar aquilo no meu aniversário...” É um patinete, é um boneco do Fluminense que ela viu não sei onde, é um brinquedo qualquer que lhe cause atenção, etc. Eu vou só falando um “um rum! Um rum!”. Nesse rumo ela teria que ganhar uma brinquedoteca e a coisa num tá pra brincadeira não.
Criança quer tudo que vê pela frente de brinquedo e objeto de atenção a seus olhos. E as lojas sabem que o bom consumidor começa desde pequeno e por isso faz apelo em suas vitrines. Cuidemos nós pais para darmos um alinhamento nesses desejos desenfreados, porque senão essa gurizada será consumidora compulsiva no futuro.

domingo, 9 de agosto de 2009

Temos que morrer?


Estávamos dentro do carro indo para a apresentação do teatro de bonecos do SESI ao lado da Biblioteca Nacional e do Museu da República.
LL: Pai, quando seu pai morreu você chorou?
Dudu: Sim, chorei.
LL: É verdade, mãe?
Mauri: Não sei, não me lembro.
LL: Mãe, por que é que morremos?
Mauri: Ora, minha filha, é porque... Se até o filho de Deus morreu por que não nós?
LL: É, mas ele ressuscitou.
Mauri: Mas se não morrêssemos o mundo estaria super povoado.
LL: Mas a gente não devia morrer, ora bolas.
Como num passo de mágica Lelê já passou para outro assunto muito distante de morte – “Pô, mãe, esse livro é muito fera!”- Ela está lendo o livro ‘Marcha soldado cabeça de Miguel’ de Rita Espeschit para um trabalho da escola.
Não sei se ela aceitou as explicações de Maurinete mas deixou registrado seu inconformismo por termos que morrer.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Redação de inglês

A primeira redação de inglês de Lelê ninguém esquece - parodiando a publicidade do primeiro sutiã. É redação bem primária, de quem faz realmente o primário do idioma inglês. Maurinete deu uma mãozinha só para aparar as arestas.
MY LIFE:
My name´s Letícia. I m 10 years old. I´am tall 1,146 m and my eyes are brown. My birthday is september 12. I study in Moraes Rêgo school. My favorite color is red and my favorite sport is cycling, my favorite movie star is Angelina Jolie. My favorite musical grup is R.B.D. R.B.D. live in mexico. I love RBD.
Maurinete estava dando uma olhada/revisada no caderno de português de Lelê e encontrou um exercício em que uma resposta estava escrito em tom bem objetivo e, porque não dizer, bem desleixado: “sei lá!”.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Hora do Angelus

Estava Lelê cantando a música ´Tropicália´, de Caetano Veloso, de cabo a rabo, e Maurinete observou que quem a visse cantarolando assim, toda letra com suas devidas pausas, diria que Lelê seria filha de músicos, o que estamos distantes anos luz dessa qualidade. Não toco nem sino, muito menos Maurinete. Lelê sabe essa música, e várias outras de Caetano e mais Milton Nascimento, Jorge Bem, Chico César, e outros, de tanto serem rodados no meu carro quando estamos nos deslocando para algum lugar. Como gostamos muito dessa troupe e congêneres é natural que, ela que tem bom ouvido para música, acredito, aprenda rapidamente. Mas fiquei surpreso que dia desses, às dezoito horas, estávamos indo não sei para onde, no carro, e ela rapidamente sintonizou a rádio Atividade, uma rádio de músicas sertanejas, para ouvir exclusivamente aquela música, típica para as dezoito horas pontualmente, que não sei se o nome é Hora do Angelus (Toque das Ave Marias) ou algo parecido. Eu também gosto dessa música e lhe mostrei que a Super Rádio Brasília FM também toca. O ouvido de Lelê vai do clássico ao sertanejo, sem preconceitos estilísticos musicais, como geralmente muitos adultos como nós as vezes temos.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Escolambação

Hoje teve uma cena hilariante na escola de Lelê, ou melhor, sinistra, como ela costuma falar. A professora xis estava sentada em sua cadeira na sala de aula, e, por um descuido, ou um desleixo no sentar, Lelê não sabe bem, só sabe que de repente a prof. –palavra que ela gosta de usar de forma reduzida – deu uma cambalhota, virou de perna pro ar. Disse ela que a galera foi a delírio na risada. A zombaria foi geral. A prof. pagou o maior mico. A sorte é que ela estava vestida de calça comprida. “Pô, pai, já imaginou se ela estivesse de saia ou vestido? Ia ser o mó barato!”. Quem não gostaria de ver uma situação dessas? Até quem tirou nota dez no bimestre. Seria ela a professora maluquinha ou desleixadinha? Seria genial que, uma vez no ano toda escola tivesse seu momento de escola maluquinha. Um dia de perna pro ar. Um dia em que a diretora deixasse sua saia cair em pleno pátio com todos os alunos ouvindo avisos da comandante. O riso seria contido ou seria uma explosão de alegria? O dia em que os professores não conseguissem se expressar corretamente, falando tudo errado e causando zombaria da molecada. O dia em que os alunos não tiveram aula porque passaram todos os horários das aulas gargalhando com as mancadas dos professores e funcionários. O dia em que o melhor professor da escola, admirado por todos, se cagou nas calças em pleno estrado da sala ao contar uma piada em que ninguém riu. No dia em que...

segunda-feira, 27 de abril de 2009

De pijama na aula

Maurinete arregalou os olhos quando viu Lelê chegar em casa da aula do Kumon, rindo, vestida de pijama, como se estivesse pronta para ir dormir, por volta das dezenove horas e trinta minutos. Ela, Mauri, tinha saído pro Plano Piloto antes que estivéssemos ido pra aula.
Mauri: Minha filha de deus, o que foi isso?
Dudu: Eu sugeri que ela fosse pra aula do Kumon de pijama e eu lhe daria dez reais, e ela topou.
Lelê estava morrendo de ri.
Mauri: Você está louca, minha filha?
Lelê: Foi o maior barato, mãe. Todo mundo ficou rindo de mim e tia Elaine – coordenadora – ficou o tempo todo perguntando o que isso significava.
Mauri: Pois vá entrando na onda de seu pai! Você sabe que ele é doido com essas loucuras!
LL: Mas foi o maior barato, mãe! Repetia Lelê.
Desvendando o mistério: acontece que quando estávamos indo pro Kumon Lelê levava seu pijama numa sacola e eu perguntei pra que que ela estava levando aquela roupa, e ela não quis responder. Fiquei na minha. Após a aula do Kumon, quando já estávamos dentro do carro, ela começou a se trocar, queria ganhar tempo quando chegasse em casa e não mais se trocar de roupa. Mauri acreditou perfeitamente nessa estória de que Lelê estava na aula do Kumon vestida de pijama. Só mais tarde é que revelamos toda artimanha de Lelê.

domingo, 26 de abril de 2009

Teatro de cantinga

Assim que terminamos o almoço, mesmo chovendo nessa Brasília infindável de tanta chuva, fomos ao teatro. Letícia estava muito querendo ver o Cantigas de Roda no teatro de uma escola do Sudoeste. Adeus, televisão vespertina modorrenta; adeus, leitura de jornal recheado de escândalos senatoriais; adeus, chuvas que banham o Lago Paranoá; adeus, soneca digestiva de lasanha; adeus continuidade de minha leitura do História do Cerco de Lisboa do José Saramago; adeus, sessão cinematográfica em dvd de Lelê do A Era do Gelo 1 – acredito que já pela sexta vez, no mínimo; adeus, possível caminhada numa tarde provável de sol de Maurinete pela ruas sobe-e-desce do nosso condomínio. Ih, caramba, a chuva está aumentando mas mesmo assim fomos ao teatro infantil. Dezesseis atores – crianças e adolescente – encenaram a costura de textos sobre cantigas de roda. Se essa fosse minha... Atirei o pau no gato... O primeiro, foi Maria... ... A idéia foi genial, a interpretação dos atores amadores melhor ainda, e o aconchego do teatro pequeno de uma escola foi legal. Lelê adorou, não parava de falar sobre a peça quando já estávamos de retorno para casa. Muitos pais com seus pimpolhos com certeza se identificaram com as canções e, os pimpolhos, se não são cantigas de sua época, mesmo assim gostaram pela dinâmica do espetáculo e o humor presente da peça. A molecada de atores e atrizes, alunos de teatro da Escola Moraes Rego e dessa escola do Sudoeste, mandaram o recado convincentemente. O diretor é o professor da disciplina de teatro de Lelê em sua escola. O cara realmente é bom, pois pra pegar essa gurizada e fazer com que ela desse esse show é porque sabe trabalhar com jovens. Lelê já tava querendo ver a peça mais uma vez. Pela reação do público de casa cheia, senti que valeu a pena. Gosto muito de ver interpretação teatral por crianças e jovens. Parece que tem um quê de espontaneidade que encanta.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Nota baixa

Lelê chegou em casa toda contente. Também pudera, seu professor de matemática leu as notas de sua turma em sala de aula, e, segundo ela, sua nota foi noventa! Já chegou e correu ao telefone para contar a novidade à mãe. Neide, nossa secretária, observou um “tá vendo Lelê, quem estuda tira boa nota!”. É que Neide viu eu dando uma pegada na matemática com ela. Já em inglês sua nota foi apenas 63, o que não é suficiente para ser aprovada. A Thomas Jefferson exige 75 como nota mínima para aprovação. Mas mesmo assim gostei da nota dela, pois para quem nunca estudou o idioma de Barack Obama na vida, tá bom. Tenho certeza que ela se recuperará. Resta saber as outras notas, que no próximo sábado serão dadas para os pais lá na escola. Aqui em casa não há repressão porque se tira nota baixa, e sim reforço escolar. Passamos a dar mais atenção nos estudos dela, conversar que é bom estudar para se recuperar para não se ter a chatice das tais recuperações e não atrasar nossas férias no fim do ano. Mesmo que Lelê tire nota baixa aqui e acolá isso não significa que vamos deixar de levá-la ao cinema, ao teatro, à exposições, etc. Nossa resposta é falação e estudo sem aporrinhação.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Dor de dente

O tempo do resultado das coisas para as crianças tem que ser instantâneo, com lógica ou sem lógica, sem meias palavras, sem vergonha para nada, sem educação idem no entendimento do adulto.
Lelê estava com dor de dente, estava quase chorando, a mãe prometendo que ia passar, que ia levá-la ao dentista mas que ela, Lelê, é lógico, não iria querer ir, fugindo do dentista como toda criança – e muitos adultos - que não quer nem de longe ouvir o ziiiimmmmm da broca a ser introduzida na boca do paciente. Então, tudo bem, vamos tomar remédio para passar a dor de dente. Já na cama para dormir Maurinete deu algumas gotas de remédio – podia até ser água com açúcar que o efeito psicológico iria sanar a dor de dente de Lelê – e Lelê bebeu misturadas a um pouco d´agua, e, mau engoliu o remédio já perguntou pra mãe:
Lelê: Mas a dor não sumiu, mãe!
Mauri: Mas que é isso, filhinha, o remédio ainda nem desceu até a sua barriga.
LL: Mas eu já tomei o remédio, mãe!
Mauri: Sim, filha, mas o efeito não é assim de imediato!
LL: Ah, droga!

terça-feira, 21 de abril de 2009

O beijo

Esse fim de semana prolongado de feriadão Lelê aproveitou para ler um livro que trouxe da biblioteca de sua escola, alem de faze os deveres de matemática e geografia e estudar inglês para prova oral amanhã. O livro é o “Nanda. Cuidado: garotas apaixonadas 2” de Toni Brandão, ilustrações de Orlando Pedroso, editora Melhoramentos, 136 páginas. O próprio título já denuncia do que se trata. Não li, mas ela e mamãe Mauri leram. Tinha hora que Lelê lia e Maurinete ouvia e vice-versa. Hoje, já pelas 19:00 h. elas bateram a última página, e, a pedido de Lelê as duas leram em conjunto o último parágrafo do livro. Em sintonia leram: “Nanda não lembra se respondeu à pergunta e depois fechou os olhos ou se só fechou os olhos e esperou a boca de Beto 2 chegar perto da sua e, primeiro, conferir suavemente os seus lábios, e, depois, também suavemente, fechar os lábios dela com um beijo... que fez a garota se esquecer de tudo o que ela já conhecia até aquele momento... e entrar em um outro mundo, onde tudo passou a faze bem mais sentido do que no mundo anterior”. Lelê riu e começou a bater palmas acompanhada por mim e Maurinete. Peguntei a Lelê se a euforia dela era decorrente do grande final ou porque havia acabado a leitura do livro e ela respondeu que era por ambos. Até parecia que ela estava aplaudindo um beijo apaixonado de novela, como diz a música de Zeca Baleiro, ou de cinema. Eu que me cuide porque sinto no ar que o embrião da paixão via arte literária começa a criar curiosidade em Lelê. Te cuida, papai, porque o século da geração celular explode!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Fábrica de chocolate

Falei na última postagem da gana de Lelê por chocolate e, desde domingo que ela não dá sossego aos prazeres chocô. Mas, como tudo de mais é veneno, essa chocolatada toda acabou fazendo-lhe mau, muito mau. Ontem a menina quase se acaba de tanto vomitar e defecar. E tome chá, e tome cuidado da mamãe e do papai. De madrugada o papai acorda e vai ver a filha, que também se acorda e vai ao banheiro, mas já está bem melhor. Quando falamos que ela exagerou na dose, no amor ao chôco, ela pede desesperadamente que não mais repitamos isso. A dor de consciência dela só agora chegou, sem açúcar e sem cor de chocolate, mas com a cor esverdeada do chá, com a cor amarelada de sua fisionomia, com a dor de preocupação da mamãe, do papai. Ela errou na dose, mas só este ano, porque na próxima páscoa o prazer, a gula, o desespero por um naco da amêndoa de cacau falará mais alto, porque serão irresistíveis as embalagens dos produtos de chocolates, serão sedutoras as propagandas, serão tentadoras as ofertas a preços baixos, e, quiçá, ela não erre mais uma vez. É não ver para não conferir.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Páscoa

Na hora de dormir, depois de estudar português para prova amanhã, depois de jantar e depois de ficar jogando tempo livre para dentro de si, como recuperação de energias, Lelê vai pra cama e dispara em risadas. Que que deu nessa menina? Rindo assim de graça com toda graça é muito bom. Ou aprendeu tudo que estudou de português e está esbanjando sabedoria, ou está rindo à-toa para disfarçar que não aprendeu nada. Ou talvez sua alegria se deva ao tanto de energia acumulada desde ontem quando torrou a chocolatada da páscoa. A melhor data comemorativa do calendário de feriados do ano, para Lelê, sem dúvidas é a páscoa. O significado religioso passa a quilômetros em detrimento do tanto de chocolate que ela come, mesmo que neguem que ela coloca acima do chocolate o sentido religioso da páscoa. Aliás isso não é nada especial para Lelê, e sim, para todas as crianças viciadas em chocolates. Vou além: pros adultos chocólatras também. Essa é a realidade: páscoa é chocolate. O resto é resto. Chega de falso moralismo. Vamos, para quem ama chocolate, rir do coelhinho de páscoa. Lelê ri com os dedos lambuzados de chocolate.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Dois solavancos e um tiroteio

Minha amiga Rita de Cássia envia-me e-mail com esse texto sobre os pais, do escritor Marcelo Mirisola. Como se trata de pai, e, eu, na condição de, gostei também do texto. Não estou dentro do texto em si do Marcelo, mas estou dentro da sinceridade e pureza que ele escancara. Vamos ao texto.
Dois solavancos e um tiroteio
Marcelo Mirisola*

Depois do Aldir Blanc, por causa de uma única canção, Fábio Júnior se tornou um dos maiores letristas da MPB
Os últimos quinze dias foram complicados para mim. Não seria exagero dizer que voltei de uma montanha-russa. Contabilizadas as indignações e as injustiças de praxe, e descontada a queda vertiginosa de cabelos na base do meu brilhante cocuruto, posso tranquilamente dizer que ainda estou sob o impacto de dois solavancos, e um tiroteio. Os três acontecimentos são complementares. O primeiro foi o infarto do meu pai, o segundo foi a notícia de que assaltaram o sítio do Fábio Jr. E, por último, tenho que dizer que escapei ileso e feliz da vida do tiroteio na Ladeira dos Tabajaras, uma vez que me entrincheirei na Adega Pérola, e resolvi adotar o ponto de vista da bala perdida – sem me esforçar muito poderia chamar isso de “o melhor complemento”.
O velho ficou dois dias na UTI, quase que bate com o rabo na cerca. Teve de parar de fumar, e agora me garantiu que vai dar um tempo nos cupins mal passados e nas picanhas sangrentas. A conferir. Bem, e o Fábio Jr? – perguntariam os mais céticos. O que o assalto no sítio do Fábio Jr. tem a ver com as calças? Tudo. O Fábio Jr – a meu ver – continua sendo, depois do Aldir Blanc e por causa de uma única canção, um dos maiores letristas da Música Popular Brasileira. Além de ser um ótimo ator, vale lembrar.
"Em sendo assim” – como diria meu saudoso professor de economia, dr.Euzébio Rocha – eu peço licença aos leitores do Congresso em Foco, e republico um texto que escrevi em homenagem ao Fábio Jr. e ao meu Pai. Esse texto, aliás, é um dos meus preferidos e faz parte do esgotadíssimo Proibidão (ed. Demônio Negro). Aqui vai:
PAI
Pai, pode ser que daqui a algum tempo, haja tempo pra gente ser mais, muito mais que dois grandes amigos... pai e filho talvez...
Essa linda canção do Fábio Jr.me fez pensar no seguinte: nunca olhei nos olhos do meu pai. De uma certa forma sempre mantivemos uma distância engenhosa um do outro. Mas isso não quer dizer que fôssemos indiferentes. Só que ele tinha as preferências dele,e eu as minhas. Como se nossas afinidades – o jeito como organizávamos as idéias na cabeça, a antecipação das tragédias, a fantasia que chegava sempre (tanto nele como em mim) antes da realidade, o gosto pelas viagens de carro noturnas e o sorvete de nozes e, sobretudo,a mania de acreditar nas próprias fraudes ou falar de uma coisa para inventar outra,enfim,como se nossas afinidades não tivessem nada a ver conosco. Não, diferente do Pai do Fábio Jr., o meu pai nunca (em tempo e lugar nenhum) jamais seria meu grande amigo, apenas um cara que cometia os mesmos erros e as mesmas besteiras que eu havia de cometer vida afora; a gente sempre se repetiu,tanto que ele podia ser perfeitamente meu filho, e se fosse assim, eu ia agir da mesma forma que ele age e agiu a vida inteira comigo,isto é, nunca olharia nos meus olhos.
Pai, pode ser que daí você sinta qualquer coisa entre esses vinte ou trinta, longos anos em busca de paz...]
Difícil aceitar que a vida de quem amamos tenha sido jogada fora. Porque uma coisa é ponto pacífico: há amor, claro que sim.
Na verdade, tememos pelo nosso destino. Pelo tempo que não é tão longo assim, e que passa rápido demais, e se há algo nessa história que prova que,apesar da distancia entre uma pessoa e outra, o amor existe, e que não é o tempo que vôa, bem, esse “algo” é a busca obstinada pelo encontro (ou pela paz); daí o desejo ou a súplica de que em algum instante – tanto faz se for Pai ou filho ou a mulher amada, – alguém venha a renascer: Pai, pode crer que eu estou bem, eu vou indo, estou tentando, vivendo e pedindo, com loucura pra você renascer... enfim, a gente pede “com loucura” para que alguém renasça a qualquer custo,mesmo que o tenhamos matado no meio do caminho, a gente pede com loucura para ele (ela) voltar, mas esse alguém não vai voltar, não. Sabem por quê?
Pai, eu não faço questão de ser tudo. Só não quero e não vou ficar mudo, pra falar de amor pra você...
Porque para o amor sempre vai ser tarde demais. Ah,meu Deus! Por que tem de ser assim? Por que quando adquirimos o grito apenas o deserto nos ouve? Por que, como diria meu amigo e poeta Marcelo Montenegro,temos sempre que “dinamitar a ponte que atravessamos”?
Montenegro, aliás – e não por acaso – é fã dessa canção.
Ah,pai, senta aqui que o jantar está na mesa, fala um pouco, tua voz está tão presa, me ensina esse jogo da vida, onde a vida só paga pra ver...
Ah, pai, agora que é tarde demais, o jantar está na mesa, deixa eu lhe servir um drinque, me conta daquela noite que flagrei você e a mãe combatendo sob uma luz prateada, foi tão bonito... eu nunca consegui saber o que de fato estava acontecendo, não sei se foi sonho ou realidade, mas me conta, Pai, agora que é tarde demais, me conta porque a minha voz está tão presa... tão presa como a sua voz: me perdoa essa insegurança, é que eu não sou mais aquela criança que um dia morrendo de medo nos teus braços você fez segredo...
Tão presa. Ah, Pai, minha voz tão presa, igual a sua, nos seus passos você foi mais eu.
Pai, eu cresci e não houve outro jeito, quero só recostar no seu peito pra pedir pra você ir lá em casa e brincar de vovô com meu filho no tapete da sala de estar...
Não houve outro jeito, Pai. O que eu faço agora que meu filho cresceu? Se não tenho você mais comigo? Ah, e agora que meu filho me olha nos olhos e eu, envergonhado, vejo você? Onde ponho você nessa estante? No lugar do herói ou do bandido?

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

sábado, 4 de abril de 2009

Sinal de alerta

Tá na boca de todo mundo que o mundo está cada vez mais violento, e quando temos filhos pré-adolescentes, nosso nível de preocupação aumenta, e a violência do mundo aumenta mais ainda segundo nossa ótica de pais. Se não tivermos cuidado a neura pode atingir-nos, mas para não sermos pegos de calças curtas, ou, outro velho ditado, ‘brasileiro só fecha a porta quando é arrombada’, é melhor prevenir. Repito, sem deixar que a neura nos afete. Bem, esse preâmbulo todo é só para registrar um e-mail que recebi, que já foi recebido de alguém, que foi transmitido por não sei quem, que foi retransmitido não sei por quem, e aí vai nessa ciranda louca da internet, que ficamos com a sensação de que a neura já bateu nossa porta, se não fosse o crime do dia transmitido pelo noticiário televisivo, mais violento do que do dia anterior. O e-mail de advertência é o seguinte:
“Alerta!!! Isto é importante para conscientizar-mos, inclusive nossos filhos!!! Informação Importante! Dentro dos Shopping Centers há pessoas próximas às entradas dos cinemas fazendo uma suposta pesquisa com os jovens (algo "interessante", como cinema, TV, um novo filme a ser lançado...). Pegam então o nome, telefone fixo e residencial, endereço e algumas características como as roupas, cor do cabelo, etc etc etc do seu filho. Depois que as pessoas entram no cinema, eles esperam alguns minutos, ligam para a pessoa que foi "entrevistada" para ver se o celular está mesmo desligado e, se estiver, eles ligam para a casa da pessoa. O bandido diz o nome completo do seu filho (o que já assusta), as características como cabelo, estatura, roupas e diz ainda: "Ligue para seu filho, se acha que estou mentindo... O n º dele é 9XXX - XXXX? Está desligado..." (Pronto, se ele sabe até o nº do celular de seu filho, só pode ser verdade). E como um filme dura em média 2hs, demora muito para você conseguir ligar e ser atendido. Aí você já está em pânico e pronto para fazer o que o bandido lhe pedir.
AVISO DE UM DELEGADO DE POLÍCIA: "Isso não é boato, é fato”. Instruam seus filhos a não responderem nenhuma entrevista ou pesquisa nas ruas, e fornecer informações curriculares apenas diretamente para empresas. Não coloquem curriculum em sites.... Nunca desliguem os celulares... coloque-os em "silencioso". Em caso de cinemas, coloque-o para que simplesmente acenda a luz... Assim saberão se algum parente está ligando... O nível de inteligência dos bandidos está aumentando... Temos que nos precaver cada vez mais”.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Villa-Lobos e Carlos Gomes

Depois da última aula do Kumon passamos no supermercado para comprarmos pão e no caixa tinha algumas revistas à venda. Chamou-nos atenção a revista Nova Escola, porque acompanhava um cd intitulado “Villa-Lobos e Carlos Gomes para Crianças”. Além dos autores clássicos despertou-nos também o valor da revista com o cd: dois reais e noventa centavos. Não era cd pirata, não era música pirata. Lelê foi até procurar confirmar o preço nas máquinas indicadoras de preços e confirmou-se o valor baratinho. Compramos, e ao chegarmos em casa fomos ouvir o que Lobos e Gomes tinham arranjados para as crianças. De antemão eu já previa que Lelê não iria gostar quando lhe falei que as músicas não era cantadas, ou seja, não tinham letras, eram músicas orquestradas. Dito e feito, apesar de que as músicas fazem partem do universo folclórico infantil. As interpretações de Villa-Lobos eram: Todo Mundo Passa; O Cravo Brigou com a Rosa; A Canoa Virou; Carneirinho, Carneirão e Cai, Cai Balão. Na interpretação de Carlos Gomes são: A Cayumba; Morro Alto; Saltinho; Quimgombô e Final. Eu gostei porque as músicas estavam realmente vestidas de sonoridades infantis. Algumas até pareciam músicas provocativas, lúdicas, brincalhonas. Tinha música que sugeria que a batuta era de Hermeto Pascoal. Tudo bem, Lelê pode não gostar agora nessa sua fase de vida, mas quem sabe depois ela passe a apreciar. Música clássica, ou autores clássicos - batendo agora no velho refrão - não tem divulgação na programação radiofônica, então não seria de se estranhar que Lelê passasse a apreciar esse estilo de música de uma hora para outra, se não for apreciada em casa.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Vegetarianismo

Ontem Lelê estava tomando seu café da manhã – por volta de 05:50-06:00 h. (ô maldade, gente, isso é hora de criança tomar café?) – quando ela falou pra mim e Maurinete, com um misto de espanto e admiração, que no colégio dela tem uma menina que é vegetariana. Respondemos de forma natural que isso era uma opção dela, possivelmente em conformidade com seus pais. Lelê entendeu que seu apetite por uma picanha bem gordurosa deve ter tanto respeito quanto as crianças que não comem carne, e nem por isso deixam de ter alimentação saudável, questão esta – comedores de carne x não comedores de carne - que não cabe discussão aqui. Geralmente as pessoas que não comem carne se diferenciam também por acreditarem que devemos respeitar os animais e não matá-los para comê-los, que os animais devem ser respeitados. Expliquei para Lelê que as crianças vegetarianas podem comer tranquilamente outros alimentos gostosos como pizza, que Lelê tanto gosta, almôndegas, hambúrguer, queijo, cevada e até cachorro quente, etc. Tudo vegetariano. Como são poucos os vegetarianos, em relação aos não vegetarianos, principalmente crianças, é possível surgir preconceito. E, no fundo, se a gente for parar pra pensar, termos que matar animais para comê-los assados, fritos, cozidos, é um negócio muito esquisito. Lelê fez uma cara!!! Depois temos o costume de falarmos que os animais é que são selvagens.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Agora escola é só para brincadeira e chocolate

Como de praxe Lelê já estava tomando seu café alvorecente quando eu, em tom sério, lhe falei:
DD: Lelê, ontem a noite você foi dormir muito cedo, antes mesmo do Jornal Nacional da Tv Globo começar, e, portanto, não deu pra você ver uma notícia muito importante divulgada ontem. Muito importante mesmo! E é de seu interesse. (Lelê continuou bebendo café tranquilamente). Foi o seguinte: eu não sei se o presidente Lula estava maluco, mas ele determinou que a partir da próxima semana todas as escolas do Brasil, públicas e particulares, teriam que reservar três dias da semana - os outros dois serão de aulas normais - para os estudantes apenas brincarem em seus colégios - tipo as aulas da Escola Parque que você tinha o ano passado, que eram aulas de teatro, artes, música, natação, jogos e brincadeiras mais. Ele disse que, segundo pesquisas científicas, os estudantes que têm brincadeiras orientadas pelos professores rendem mais nos seus estudos e serão mais inteligentes. (Lelê não manifestou surpresa). Não satisfeito com essa medida ele determinou que cada aluno, a partir de então, receberia, ao entrar na escola, uma barra de chocolate das grandes. (Nada de reação de Lelê). Como se não bastasse, Lula orientou o Ministro da Educação a aumentar o período de férias escolar para dois meses no meio do ano e mais dois no fim. Para os pais isso vai ser ruim, mas para vocês irá ser a glória! (Calmamente Lelê observou):
LL: Pai, já saiu o resultado da gincana lá do meu colégio. Meu grupo, o verde, foi o vencedor, o grupo vermelho ficou em segundo lugar e o azul em terceiro.
DD: Oba! Que legal, vocês venceram!
LL: Pai, quem não sabe que hoje é o dia da mentira!
Fiquei com a cara murcha e concluí que sou um péssimo mentiroso.

terça-feira, 31 de março de 2009

Hora do Planeta

Sábado de manhã quando estávamos indo pra gincana da escola de Lelê, ela ia lendo um texto sobre o problema de escassez e mal trato da água no mundo atual. Era uma tarefa de geografia - fazer um resumo - para ser apresentada na próxima semana. O texto faz um alerta com o que poderá ocorrer com o mundo nos próximos tempos se a preservação da água não for cuidada desde já. Enumera números preocupantes divulgados por organismos internacionais tipo ONU. Não é a primeira vez que vejo essa temática sendo abordada na escola para Lelê. Ano passado também aconteceu. Há um propósito de se semear essa preocupação ecológica para a geração celular-Lelê, e, pelo que a gente vê pela imprensa impressa e digital o problema será sério. Mas, como se colocar esse problema na prática do dia-a-dia de Lelê, além de diminuir um pouco nosso banho, economizando água e energia?
À noite, vendo o noticiário da televisão, foi noticiado a campanha intitulada Hora do Planeta, iniciativa da ONG WWF, que se dedica à conservação da natureza e promoção do uso racional dos recursos naturais, em que se constituía em apagarmos as luzes de casa por uma hora - das 20:30 às 21:30h. Casas, empresas e governo também iriam apagar as luzes. A Explanada dos Ministérios em Brasília, o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, a Torre Eifell em Paris e a casa de Lelê em Brasília também. Ela nos convidou: "Vamos pai, vamos mãe, apagar também!". Concordamos e ela buscou uma vela e acendeu para nos locomovermos lá pra rua para vermos se algum vizinho iria aderir também à campanha. Tudo no breu em casa. Maurinete foi tomar banho no escuro. Topou tranquilamente a empreitada. A sombra de Lelê causada pela luz de vela era o espectro do futuro se não houver preocupação com o H2O. A vizinhança, constatamos, não tava nem aí com a preocupação de Lelê, e tomara que Lelê não seja tomada pelo espírito dos ecochatos, mas que tenha a preocupação de demorar menos tempo no banheiro tomando banho e que desligue as luzes quando não estiver nos cômodos da casa. O mundo agradece e o nosso bolso também.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O menino que só vivia jogando bola

Não sei de onde ela ouviu essa estória. Deve ter sido na escola, ou é invenção dela, sei lá. É a estória do menino que fazia tudo jogando bola. Se estava fazendo refeições, estava lá o guri mexendo a bola com os pés enquanto comia. Andava chutando uma bola para todo canto que ia. Até ao banheiro, fazer suas necessidades, o miúdo tava lá mexendo com a bola de futebol. Não me perguntem como, só sei que Lelê falou que era assim. Como existe o livro O Menino do Dedo Verde, do escritor francês Maurice Druon, para Lelê também existe a estória do menino que só sabe jogar bola em todas as situações. Subindo os degraus da escada da escola, da igreja, da pracinha, e de onde tivesse degraus, o infante não largava o chute medido da bola. Se ele estava conversando com a gente, ele tava chutando a bola. Tinha outras atividades que o guri fazia jogando bola que nem mais me lembro que Lelê falou, e esqueci de perguntar pra ela, se essa criança, quando ia dormir, dormia jogando bola. Mas com certeza ele jogava bola, sim senhor, dormindo. E muito. Provavelmente ela estaria jogando muito mais do que em todas as outras vezes que ela jogava. É que ele não parava de jogar em seus sonhos. Lelê completou para Mauri:
Lelê: Mãe, até na hora de fazer os deveres da escola para casa, tava lá o moleque fazendo os deveres, sentado, jogando a bola entre um pé e outro.
Mauri: E quando ele foi fazer prova, tava lá ele jogando bola, e depois, quando recebeu o resultado das notas ele recebeu a nota de uma bola, bem redondinha!
Caímos na risada.

sábado, 28 de março de 2009

XVII Gincana

A escola de Letícia anualmente realiza uma semana de gincana, e já está na décima sétima. Hoje fomos presenciar e participar. Toda comunidade escolar e familiar é envolvida, com direito a abertura com o inevitável hino nacional e tudo. As pontuações das competições se limitavam a participações. Participou das atividades, estava cumprida a tarefa. Os alunos se dividiram em três grupos: o vermelho, verde – o de Letícia – e o azul – todos vestidos com camisetas confeccionadas para o evento. Podiam levar apito, corneta, bumbo, e o que mais fizesse barulho para agitar na hora das conquistas. As tarefas foram de casais de pais dançando; desfile de três casais vestido a caráter de indiano, chinês e russo; saco de tralhas; apresentação de cão amestrado; pessoas nascidas no dia, mês e ano da fundação da escola; pessoa com maior cabelo – a vencedora foi uma garota com o cabelo de um metro e quarenta e cinco centímetros; passa e repassa – perguntas dos livros de literatura lidos para tal fim; maior melancia de diâmetro; reportagem relacionada com o tema “Faça a Diferença” – publicada no Correio Braziliense. O repórter do jornal esteve lá para cobrir essa tarefa. O que eu achei interessante foi o jogo Play Ball com cegos da Associação Braziliense de Cegos. Um jogo pouco conhecido no Brasil. Cinco jogadores de cada lado, com regras próprias. Dentro da bola do jogo tem guizo para os atletas se guiarem pelo barulho que eles produzem. Depois os pais e logo a seguir os alunos jogaram também com os olhos vendados para sentirem como é o jogo na real. Tudo isso e mais outras atividades são realizadas no decorrer da semana. Letícia estava toda empolgada apitando a toda hora e torcendo para ser premiada por ingressos para uma peça de teatro e pelo sorteio de uma guitarra, é lógico. Segunda-feira as atividades serão desenvolvidas no Clube Cota Mil, um dos mais tradicionais de Brasília.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Escala numérica, escala gráfica

1 - Lelê tá enrolada sem saber resolver os exercícios de geografia sobre escala numérica/gráfica. Leu o capítulo do livro, tentou, tentou, e nada de saber resolver os tais exercícios sobre escala. Fui auxiliá-la e também li algumas páginas básicas do livro e também não consegui traduzir como se faz a transformação de 1:500 000 da escala numérica para a escala gráfica. Putz, tô burro pra caramba. Chamei Maurinete para dar uma força pra gente e ela entendeu mais ou menos – não cem por cento. Caramba, essa menina está estudando coisas de que nem nós damos conta de sabermos. Coletivamente resolvemos os exercícios e Lelê ficou de conferir com a professora e pedir uma melhor explicação. Escala, um nome curto de sentido extenso.
2 - Mais tarde nós três fomos ver o que rolava pelo mundo no noticiário televisivo noturno, ver se dávamos uma refrescada escalar em nossas mentes. Não tem escapatória, violência é inevitável assistirmos. Manchete em tudo quanto é noticiário em Brasília com repercussão no Brasil inteiro foi a barbaridade cometida anteontem a noite por dois menores – um era menina – e um adulto que em curto espaço de tempo furtaram oito carros, assaltaram, balearam e mataram um funcionário da secretaria de cultura do GDF, que era bibliotecário.
3 – Hoje pela manhã Lelê acorda e suas primeiras palavras dirigidas a mim são de que teve um sonho terrível ontem. Sonhara que uma tia sua – colo aqui uma tarja preta de não identificação – havia sofrido um seqüestro relâmpago, e também uma outra pessoa familiar próxima sofrera seqüestro, só que ficou sob o poder dos bandidos aguardando o resgate financeiro, que ela não sabia de quanto era.
4 – Talvez sob a frustração de não ter aprendido corretamente o assunto ´escala´ o sonho lhe imprimiu a escala da violência que viu no noticiário da TV. Também vimos a notícia televisiva de que Lula almeja a escala onírica de construir um milhão de casas, uma espécie de bolsa-residência. Ou seja, quer construir casas de pombo para os que querem viver às margens das metrópoles, ou cidades candidatas a metrópoles. Não precisa nem estudar que Lelê já sabe que essa escala residencial se não for acompanhada de escola em escala o esculacho do triângulo escaleno social estará sedimentado na escala gráfica com o risco ascendente de bala perdida.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Ser adulto

Mauri estava tomando um remédio e Lelê pediu para tomar também. Mauri lhe falou que era remédio para adulto.
LL: Mãe, você gostaria de ser criança?
Mauri: gostaria
LL: Pai, você gostaria de ser criança?
DD: Gostaria
LL: Todo adulto gosta de falar que gostaria de ser criança.
DD: Mas nem toda criança fala que gostaria de ser adulto.
Essa não é a primeira vez que Lelê aborda essa questão. Quando ela se vê com muito dever da escola para fazer, olha para mim e fala:
LL: Você tem muita sorte!
DD: Por que?
LL: Porque você não precisa fazer dever de casa da escola.
DD: Mas você não sabe que quando eu tinha sua idade eu também tinha deveres de casa?
A reação dela é ficar calada e fazer o dever. Ela sabe que não tem jeito.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Senhora Barbie


No último dia nove a boneca Barbie completou 50 anos. Essa senhora infantil é uma das bonecas mais vendidas do mundo. A cada dois segundos é comprada uma Barbie. São duzentos modelos de bonecas e mais roupas, cadernos, celulares e outras tantas quinquilharias. A criadora dela se inspirou na filha Bárbara, como o Maurício de Souza se inspirou em sua filha Mônica para criar a Mônica, e o Ziraldo em seus amigos pra criar a Turma do Pererê, como não sei em quem Monteiro Lobato se inspirou para criar Emília, e em quem minha avó se inspirou pra criar suas bonecas de trapo. Apesar de tudo isso Lelê não gosta dessa boneca loura. Desde quando ela era mais nova que não simpatizava com essa norte-americaninha . Ontem lhe perguntei porque ela não gostava da loirinha, e ela disse que Barbie era boneca pra criancinha. Do alto de seus dez anos criancinha deve ser bebê. De fato, Lelê tem várias bonecas mas nunca manifestou vontade por uma Barbie. Eu até poderia induzi-la a querer uma dizendo que a Barbie se parece com Marta Suplicy de cabelos longos, ou a Dilma Rousseff também de longos cabelos. Mas desisti da idéia porque senão Lelê iria praguejar-me pelo resto da minha vida.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Cotidiano


LL: Pai, o que significa ´cotidiano`?
DD: Onde você viu essa palavra?
LL: No livro de português.
DD: Cotidiano significa aquilo que acontece todos os dias, diariamente. É o que a gente faz regularmente no dia-a-dia. Dê um exemplo de algo cotidiano seu.
LL: Hummm... Deixa eu ver... Ir pra escola é cotidiano.
DD: Isso. Todo dia, de segunda a sexta você vai para o colégio. Cotidianamente nós estamos aqui por volta das seis e dez, seis quinze da matina, na entrada de casa esperando a van pra te levar pro colégio. Você mesma já observou que todo dia quando a gente chega aqui no portão, tem uma mulher que passa em frente daqui de casa pra fazer caminhada. Olha lá, aquele pombo em cima do fio da rede elétrica, que ontem quase dava uma cagada em nossas cabeças sem a gente perceber, ele parece que cotidianamente pousa no fio da rede elétrica. Daqui a pouco começa a passar gente para ir trabalhar, tanto de carro como a pé, cotidianamente.
LL: E aquele avião a jacto que tá passando ali – apontou pro céu – ele também é cotidiano?
DD: Não, porque não o vimos todos os dias passar ali. O Lula todos os dias aparecer na televisão falando, é um cotidiano que enche o saco.
LL: O bebê que chora e faz cocô também é um cotidiano.
DD: É sim. O Obama aparecer todos os dias nos noticiários televisivos é algo cotidiano politicamente no mundo inteiro; os crimes que aparecem todos os dias na televisão é uma coisa cotidiana muito triste; O Ronaldo Fenômeno aparecer todo dia na televisão por causa de seus dois gols no Corinthians, é um cotidiano idiota;
LL: Fazer os deveres da escola...
DD: Não, não, isso não é um cotidiano idiota, não. É um cotidiano essencial... Sim, é verdade, tem momento que a gente acha um saco fazer dever de casa, porque brincar é infinitamente mais legal. Mas que é importante pra gente, ah, isso é. (Se eu tivesse a idade dela agora, vivendo essa fase da infância, iria me contestar, com certeza).
LL: Lá vem a van da escola, pai. Conheci pelo barulho dela. (Me beijou e atravessou a rua tranqüila).
DD: Tchau, filha, o cotidiano da vida te chama. Dê um beijo pra professora cotidiana; um abraço no porteiro cotidiano; um bom-dia pro motorista da van cotidiano; um olhar de admiração pro Sol cotidiano; um olhar de compaixão pros mendigos cotidianos deitados nas calçadas lá da W3 Sul; um insistente raciocínio pra aquela expressão de matemática que lhe encheu a paciência; (Ela já não mais me ouvia mas fez aquele sinal tradicional dos metaleiros, com a mão fechada e os dedos polegar e mindinho esticados balançando).

terça-feira, 17 de março de 2009

Crise automobilística

Pelas contas de Lelê a crise da indústria automobilística não está em recessão. Os noticiários televisivos, que ela sempre vê comigo ou Maurinete, nunca sozinha,– seria estranho criança ter interesse em ver o Jornal Nacional, Jornal da Band... - indicam que poucas pessoas estão comprando carro zero km, até mesmo automóveis da linha popular um-ponto-zero. O discurso do empresariado, é lógico, é manter esse discurso pra ganhar as reduções de impostos, os IPIS da vida econômica empresarial. Mas porque Lelê pode chegar a essa conclusão da não existência de crise no setor automobilístico? A questão é que ela usa dados confiáveis do DATALELÊ, que é a contagem estatística na linha ascendente do gráfico de Pareto de automóveis que circulam pelas ruas de Brasília – cidade da amostragem. Na van escolar, comigo ou Maurinete ela vai contando determinadas marcas de automóveis. Por exemplo, o corsa já estava na casa dos cento e vinte carros e ela resolveu mudar para gol. Nossa, senhora, como existe gol nessa cidade! Sem contar ainda o meu velho gol de guerra. A próxima pesquisa do DATALELÊ rumará para o pálio.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Rifa-se uma guitarra

Chegou Lelê em casa com um talão de bilhetes de um bingo de uma guitarra, modelo condor rocky. Rifa da escola em prol da gincana/2009 “Faça a Diferença”. E o preço - R$ 1,00 - tá mais barato que uma latinha de refrigerante. Comprei dois bilhetes e Maurinete três. Ela já ofereceu a Neide, nossa secretária, ao mestre de obras que está fazendo um serviço aqui em casa e só faltou botar uma banquinha em frente de casa para vender os tais bilhetes. A menina ficou toda interessada na venda dos bilhetes ,mesmo o dinheiro não sendo para ela. Rolou dinheiro, o interesse humana se rende, independente da idade. Entendi o espírito da escola em querer botar o aluno para se virar na venda do bilhetes: penso que é fazer com que a criança demonstre interesse na articulação da festa, testar sua ambição – ambição não, tá muito forte, mas digamos ´garra´ na conquista do interesse de grupo competitivo, já que a gincana tem grupos opostos na competição. Não tem jeito: reconheço que estão pegando minha filha para torná-la competitiva, como já falei num dos posts por aí atrás. Buaaaaa!!!! Eu queria a Lelê sem aprendizagem para a competição do mercado de trabalho! Mas qual escola, atualmente, tem esse espírito com esse mercado feroz das escolas disputando alunos a tapa?

quinta-feira, 12 de março de 2009

Ronaldo, o fenômeno

Estava eu ouvindo o comentário do jornalista Boechat na rádio BandNews sobre Ronaldo, o fenômeno, dizendo ele que graças a deus (isso é só força de expressão. Ele é ateu) Ronaldo não ficou no seu queridoFlamengo. E ele enumerou suas razões que não vem ao caso aqui. Já ouvi outros jornalistas e pessoas dizendo que torce pela volta de Nazário para o futebol, mas que não gostaria dele em seu time de coração. As explicações são de torcedores apaixonados por seus times, e pelo Ronaldo, o fenômeno de mídia, onde envolve muita grana, escândalos de farra para um atleta, segundo a crônica esportiva, paixões loucas por ídolo, etc. Ontem ele voltou a fazer mais um gol, dando a vitória para o Corinthians. Estávamos eu e Lelê vendo pelo noticiário do SBT das seis da matina a notícia de mais um feito do Ronaldo quando Lelê tece seus comentários, afirmando isso que escrevi acima, de que não gostaria de ver o Fenômeno no seu time de coração, o Fluminense. Pelas palavras dela já o considera um atleta em fim de carreira. “Ah, ele é um perna de pau! (êpa, vamos respeitar o passado do cara). Nunca eu vou botar ele no meu time. Sou mais o Washington, que saiu doFluminense e foi pro São Paulo”. Eu não sei se ela afirma isso por convicção ou pelos comentários - do tipo dos de Boechat - que ela fica ouvindo na escola e na van escolar.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Falta de tempo?!

Se é pra ser responsável, então vamos assumir nossa condição de pais que estão realmente preocupados com os estudo de Lelê. Sem esterismo pedagógico, sem nervosismo, sem pressão doentia. Acontece que estou percebendo que Lelê está nos sugando com o tanto de deveres e tarefas escolares. Cadê os velhos tempos em que tínhamos condições de irmos ao teatro, ao cinema, às exposições – nunca mais fomos ao Centro Cultural Banco do Brasil vermos belas exposições que nos causam beleza e espanto – e, principalmente, tempo bastante para ler. Nem sei mais quando foi a última vez que li um livro de uma tacada só. Nunca mais bati a última página de um Drummond. Ando com uma vontade enorme de ler um livro do outro Drummond, o Roberto, também mineiro. Até mesmo Lelê escasseou suas leituras em detrimento da escolaridade. Vamos ter que reavaliarmos essa rotina de estudo para adentrarmos o mundo artístico, causa maior da conquista do espírito humano. A conclusão de tudo isso acima foi comentário conjunto meu e de Maurinete. Então vamos procurar fazer a correção de rumos.

terça-feira, 10 de março de 2009

Geração fibra óptica

Navegar na internet, pra Lelê, já é trivial. Entrar no messenger, idem. Computador com câmera para se conectar, ou melhor, se comunicar – esses dois verbos cada vez mais se cruzam – de forma ‘presencial’, também, como também é banal dizer que as distâncias cada vez mais se encurtam hoje em dia. Literalmente pode-se dizer que assim caminha a humanidade, pelos caminhos das teclas digitais. A geração de Lelê é pura fibra ótica.
Vítor, seis anos, filho de nossos colegas Edimir e Vanessa, hoje, pela primeira vez, sozinho, abriu seu próprio e-mail. Os pais estavam radiantes com o novo internauta abrindo as portas do espaço cibernético. Como se não bastasse isso, o Caio, dois aninhos, irmão do Vítor, tá ali na cola esperando sua vez, para mais cedo que o Vítor dar seus primeiros passos na linha evolutiva dos cabos coxiais.
Só estou achando ruim que Lelê não tem uma caligrafia boa, bonita, compreensível, e, pelo caminhar da carruagem do teclado a situação deverá permanecer assim indefinidamente, pois quando chegar a usar constantemente o teclado para digitar, ela mesma, seus trabalhos escolares, então é só admirar o layout da página via estética que ela empregar em suas tarefas escolares. Em vista disso a professora de Lelê do Kumon lhe deu um caderno de caligrafia para praticar escrita de forma legível e bonita. Vamos ver se isso, seguindo esse método tradicional, vai melhorar sua letra.
Conclusão: o que espero é que Lelê tenha uma geração, como falei aí acima, uma geração de fibra ótica, e não uma geração “control ce-control ve”, intelectualmente falando.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Teologia infantil da libertação

Estávamos passando em frente ao salão onde é realizada a missa dominical em nosso condomínio:
LL: Pai, vai ser fera quando eu fizer a primeira comunhão.
DD: Porquê?
LL: Porque eu vou experimentar a hóstia. E eu vou ser a primeira da fila, porque senão eu não vou receber a hóstia inteira. Lá na igreja Santa Edwirges quem chega por último pega só a metade da hóstia. Você sabe o significado da hóstia, pai?
Antes que ela testasse meus conhecimentos litúrgicos eu testei os dela.
DD: Não. O que significa?
LL: Nossa, senhora, pai! Significa o corpo e o sangue de Cristo. Dá nisso não ir à missa.
DD: E quem recebe a metade da hóstia recebe só a metade do corpo de Cristo e só a metade do sangue?
LL: Lógico que não.
DD: Porquê?
DD: Porque tudo tem o mesmo significado.
Não quis colocar mais porquês para Lelê, senão a história iria ficar longa e a teologia infantil da libertação iria, provavelmente, despontar nela, deixando muita gente com os bofes estourando.

domingo, 8 de março de 2009

Residências

Ontem falei que Lelê estava estudando História para uma prova amanhã. Maurinete pegou firme com ela para estudar desde a semana passada e ouvi uma questão do roteiro de estudo dela que fala da diferença entre o modo de o homem e o do de João-de-barro construírem suas casas. Segundo o estudo dela o homem constrói sua casa de forma planejada e o João-de-barro faz sua casa sem planejamento. Mais tarde, de forma inconsciente, julgo, ela me pergunta se o nome é João-de-barro simplesmente porque ele faz a casa com o barro. Não sou enciclopédia para ter a resposta para tudo que Lelê me pergunta, mas essa me parece que está na cara que sim.
LL: Então o nome do homem deveria ser homem-de-concreto, homem-de-palha, homem-de-madeira, homem-de-tijolo.
DD: Faz sentido.
Lula prometeu recentemente construir um milhão de casas pro povo brasileiro. Se Lelê sabe disso vai dizer que Lula é o homem-promessa das residências. Pra ela Lula deveria construir essa infinidade de casas de chocolate. Seu boneco canguru, que ela ganhou de presente de uma amiga nossa que mora na Austrália, estava no chão de seu quarto. Seria a conta pra ela comentar, se eu estivesse por perto, de que o filhote de canguru tem a melhor casa de todas as casas. A casa construída dentro da mamãe canguru.

sábado, 7 de março de 2009

Chamem o Piaget!

Na próxima semana Lelê terá provas importantes a fazer. O parafuso começou a apertar. Observei que o roteiro dos livros, e mais especificamente o de matemática e história, os que me detive a analisar o conteúdo das provas, estão sintonizados com o tempo passado e presente. O presente já abordando a evolução tecnológica que desaguou no satélite e na internet. Muito diferente de meu tempo, onde os conteúdos eram secos, centrados no espírito cientifico estrito, e a mil anos luz, provavelmente, no tempo de meus pais. Paro por aqui, porque senão cairei na vala do analfabetismo de meus avôs e bisavôs. Só sei que, Lelê estudar sozinha esse farto material, ela não daria conta de aprender muito. Para quem tinha apenas um professor há três meses e de repente se defrontar com onze professores bombardeando sua cabeça que ainda não saiu de seu primeiro decênio, não é moleza não. Em história ela está estudando os conceitos de etnocentrismo, linha do tempo, e por aí vai. A matemática está centrada no tripé de sua história, ciência pura e exemplos da realidade do estudante. Não sei se esse volume de conhecimentos é fruto natural da contemporaneidade em que requisita cada vez mais o indivíduo para a informação e fazendo com que o tempo de dedicação às bonecas, às brincadeiras, ao tempo livre seja considerado supérfluo ou, ou, ou... Sei lá que argumento contraponho a isso! Ah, já sei, não há contra-argumentação, isso é um chamamento para o espírito competitivo da chamada era da globalização. Meu deus do céu, chamem o Piaget para destrinchar a questão do tempo e o desenvolvimento intelectual da criança; os estágios do desenvolvimento intelectual da criança; a linguagem e as operações intelectuais; a práxis na criança; a vida e o pensamento do ponto de vista da psicologia experimental e da epistemologia genética.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Conjuntivite

• Estávamos vendo o jornal noturno das vinte e uma horas do SBT, com Carlos Nascimento, e uma reportagem chamou a atenção de Lelê. Era uma reportagem sobre conjuntivite.
LL: Pai, você já teve conjuntivite?
DD: Já, sim.
LL: É muito fera ter conjuntivite.
DD: Ter essa doença é legal? Por quê?
LL: É fera porque a gente não pode ir à aula.
Não comentei nada porque me lembrei de que quando eu era criança, quando estava na escola primária, até espirro de galinha que causasse sua morte, pra mim seria decretado feriado nacional.
•A menina continua encucada com a história de que todos os dias crescemos. Ela agora fica de pé olhando pra´s pontas dos dedos dos pés tentando flagrar seu crescimento.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O mundo sem os bichos

Estava eu bebendo água para matar a sede desse calorão que ora grassa Brasília quando aparece Lelê querendo beber na fonte dos questionamentos:
LL: Pai, eu acabei de pensar uma pergunta pra você.
DD: Manda!
LL: Você acha que o mundo pode existir sem os bichos?
LL: Não.
LL: Por quê?
DD: Ah... Acredito que os bichos são parte integrante da natureza. Não faria sentido o mundo sem animais.
LL: É isso, pai! Você já imaginou se não existissem bichos no mundo como seria para os cegos que tem aquele cachorro como guia!
DD: E nem veríamos o desenho animado de Tom e Jerry.
Pensei minha resposta assim de repente tanto quanto a pergunta de bate-pronto dela. Criança não dá pra ficar tergiversando, procurando respostas mirabolantes e elaboradas de imediato. Depois, só depois, é que pensei que poderia ter aproveitado a ocasião para falar dos duzentos anos de nascimento do naturalista inglês Charles Darwin e sua teoria da evolução da vida humana. Mas depois ela estava dando banho em seu casal de bonecos e eu não quis interrompê-la em seu “diálogo” com seus filhinhos. Ela falava o tempo todo durante o banho dos meninos, bem no espírito maternal, como se embalasse os bonecos na continuidade da evolução da espécie humana.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Mais uma vez Pollyanna

• Por esses dias Maurinete estava batendo papo com uma amiga dela e tocou no assunto do livro de Pollyanna Moça, primeiro livro que Maurinete leu quando chegou aqui em Brasília, e falou para essa amiga que Letícia já havia lido esse livro, e gostou de montão, só que ele estava em forma resumida, livro de uma coleção para leitores principiantes. Lelê tem o filme e já viu por mais de vinte vezes. Isso não é força de expressão não. Lelê já viu o filme por mais de vinte vezes, sim senhor(a). Penso que já falei isso há muito tempo atrás. Pois bem, Maurinete trouxe o Pollyanna Moça, texto integral, para Letícia ler. Falei pra Lelê que fizesse com que esse livro se tornasse seu livro de cabeceira. Todo dia antes dela dormir pegasse no livro e desse uma lidinha, ao invés de ligar a TV. Hoje a vi na cama, antes de dormir, com o livro entre as mãos. Leu um pouco e depois me procurou para dizer que o livro estava difícil. Fui ver o que estava pegando, e vi que tinha algumas palavras que ela não estava entendendo, tipo ´imponente´, irradiar´, ´hesitante´, etc. Isso só no primeiro parágrafo do livro. Prometi-lhe que nesse próximo final de semana iríamos ler, em conjunto com Maurinete, para desarmarmos as armadilhas do texto. O livro é da editora Martin MClaret, 226 páginas. Ah, um tipo de leitura que ela gosta é a leitura em voz alta, lendo pra mim e Maurinete. É bom porque Maurinete vai corrigindo as pausas que ela tem que fazer obedecendo as pontuações e vai explicando o significado das palavras e questionando certos trechos para ver se ela está entendendo realmente a leitura.
• Deu trabalho, mas saiu as maquetes que eu e Lelê construímos como tarefa de geografia para casa. Era a construção de uma casa e um edifício em material de sucata, na altura de 10 centímetros. Fizemos em papelão, só que ultrapassamos as alturas pelo menos pelo dobro. Acredito que é porque não agüento ver aquelas casas populares, casas de pombos, que os prefeitos constroem para a classe baixa em bairros afastados das cidades brasileiras. Expliquei a Lelê, de relance, o problema habitacional da classe pobre brasileira, mas ela estava ligadona mesmo era como colar uma folha de papel em branco para dar acabamento estético às suas construções, talvez querendo me dizer de que além do tamanho a estética e a funcionalidade é inerente ao conforto de qualquer residência. Olhei pro rosto dela e percebi que ela não estava pensando nada disso que eu estava pensando que os prefeitos deveriam pensar para os moradores de casas de pombos pensarem em pessoas que pensam soluções pensadas para o conforto.

terça-feira, 3 de março de 2009

No tempo da vovó

• A aula de espanhol de Lelê foi massa – como ela gosta de falar.
LL: No final da aula a professora falou pra turma – imita a professora falando rápido em espanhol - : “tarea para casa”. Aí a turma toda: “oh, nõ!”. Foi massa!
LL: Tem uma palavra que a professora escreveu em que tem aquele acento...
DD: O Til, aquele que é uma ondinha?
LL: Não.
DD: O circunflexo, que é um chapéu?
LL: Não. É aquele que é o grampinho de cabelo da vovó.
DD: Grampinho que é o cabelo da vovó? Não sei qual é esse não.
LL: Aquele que é assim, deitado...
DD: Ah, já sei, é o acento agudo.
LL: Isso, isso.
DD: Esse eu não sabia. Você aprendeu onde?
LL: Isso é do tempo que eu estava no presinho que a professora ensinou.
• A noite estávamos tomando banho na piscina e mostrei pra Lelê como a Lua, aparecendo um pouco mais da metade, estava bonita. Apontei pra Ela e dei tchau pros astronautas que estavam lá. Lelê observou que não havia astronauta coisa alguma naquele pedaço de Lua. Poderia haver na outra Lua, a Lua inteira. Maurinete lhe disse que não havia uma outra lua, não havia duas luas, como ela estava pensando. A Lua era uma só e ela estava aparecendo daquele jeito porque estava na fase quarto minguante, ou quarto crescente, que é quando só uma parte da superfície visível é iluminada. Lelê estava no mundo da Lua e aprendeu mais uma.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O tempo não pára


Lelê costuma sempre preparar sua mochila a noite porque, como ela acorda as cinco e trinta da matina, ou da madruga, melhor dizendo, não iria dar tempo se arrumar e preparar o material de aula do dia. Pois bem. Ontem ela não organizou sua mochila, foi dormir cedo, mesmo a gente sempre alertando-a para ela tomar de conta de sua mochila na noite anterior. Ela acordou (o relógio é cruel no seu tic-tac), tomou banho (o relógio não dá trégua no tempo), tomou café (o relógio apressando Lelê silenciosamente), escovou os dentes (o relógio é o senhor do tempo), e depois Lelê foi arrumar a mochila com todo seu material (o relógio gritou silenciosamente que a van escolar já estava esperando por ela). Aviso pra ela que a van já chegou e ela grita para esperar porque ela estava ajeitando sua pulseira verde identificadora de seu grupo da gincana do colégio (o relógio buzinando no meu ouvido que a van – com todos os passageiros-estudantes, já estava há alguns minutos pacientemente a espera dela). Corro para ver porque essa menina não se desenrola. Ela estava sentada no chão da cozinha organizando sua pulseira da gincana como se o tempo estivesse parado exclusivamente para ela. Chamei-a:
DD: Vamos Lelê, o pessoal está te esperando!
LL: Peraí que eu tenho que terminar isso aqui (no passo que ela estava iria acabar lá pelas dez horas).
DD: Leve para ir ajeitando isso na van
LL: Não posso, tem que ser aqui (o tempo gritou mais alto no meu ouvido avisando que o respeito com o horário dos que estavam na van era maior). Como ela continuou despreocupadamente, tive que dar-lhe um grito:
DD: Vamos Lelê, levanta daí que o pessoal ta te esperando!
LL: Não posso, pai, se não eu vou perder ponto na gincana.
DD: Levanta agora! Vamos embora!
Lelê começou a chorar e largou a recomposição de sua pulseira da gincana e saiu chorando em direção a van. Se deixar, a guria fica folgada. A tarde, quando ela chegou do colégio me cumprimentou abraçando-me e beijando-me, como se nada tivesse acontecido. Com certeza mais gente não levou a pulseira pro colégio e ninguém ficou prejudicado. Do contrário seria a primeira coisa que ela comentaria ao chegar em casa. Mas foi bom ter acontecido isso, porque a partir de agora não preciso nem mais alertá-la de que a mochila tem que estar pronta pro dia seguinte. O tempo não pára, não páraaaaa – Cazuza.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Crescimento

LL: Pai, você sabe que a gente cresce todos os dias?
DD: Sei.
LL: Quer ver?
Lelê saiu correndo e foi até o banheiro pra ver se enxergava no espelho o seu crescimento olhando no cume de seu cabelo. Voltou e comentou comigo:
LL: Não vi eu crescendo, pai. Peraí.
Correu de novo e foi em seu quarto e, com uma trena, se pôs junto a parede e se mediu. Voltou ao meu encontro e comentou que havia se medido, e não viu crescimento nenhum. Novamente foi ao quarto e mais uma vez se mediu. Voltou e, apontando os dedos indicador e polegar falou que havia crescido nesse instante “um pouquinho assim”.
Todo mundo que a vê diz que ela está crescendo paca, que ela é muito grande para sua idade. Tem dia que ela diz que não quer crescer, quer continuar a ser criança, porque ser criança é muito bom porque não tem que trabalhar, e também é ruim porque tem que obedecer. Esse é o dilema dela. That´s the question: crescer ou não crescer? Trabalhar ou obedecer?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Pedagogia cibernética

A forma de controlar o horário do trabalhador é o relógio de ponto – capitalismo selvagem! Como diria a música do Titãs -, o cartão registrado com as horas trabalhadas. A forma de controlar a presença dos estudantes em sala de aula é a chamada, do primário á universidade. Na universidade nem todos os professores fazem isso. Que bom. A forma dos pais controlar os deveres escolares da estudantada, pelo menos nas escolas particulares, são as tais agendas onde são registrados os deveres do dia seguinte. Isso, claro, nos tempos de hoje. E com o advento da internet - a deusa dos saberes, do controle, do prazer, do tudo – surge uma forma melhor, de acordo com a nova pedagogia cibernética, de se controlar os deveres dos alunos. Agora, no reino das escolas particulares os pais chegam em casa, ou sem sair de casa, acessam o sítio de sua escola e já fica sabendo o que seu filho tem de deveres para fazer no dia seguinte. E mais ainda: digitando seu login e senha já sabe se seu filho teve bronca na escola porque não fez o dever ou cometeu alguma irregularidade. O grande irmão pedagógico vigia o circuito interno no pátio, na sala, nos corredores os passos falsos dos estudantes. A pedagogia particular via carnê cobra dos pais a mensalidade, que cobra o software da educação produtora dos futuros cidadãos respeitados que ingressarão na elite da máquina burocrática estatal com os melhores empregos... Ih! Tô divagando pra dizer que eu e Maurinete acessamos o sítio da escola de Letícia para sabermos o que ela tem de estudar pro dia seguinte. São os tempos modernos, o tempo do controle, do descontrole.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Pegadinha

Pegadinha:
Lelê: Pai, quem fala errado é a Mônica ou a Cebolinha?
Dudu: É a cebolinha.
LL: Não, não é. Quem fala ‘errado’ é a Mônica. Cebolinha fala ‘elado’.
DD: Aprendeu na escola?
LL: Foi.
Quando começa a rolar na escola piadas, frases, ditos jocosos e imorais, fico satisfeito. Sinal de que os alunos começam a se entender, as amizades se criam, as afinidades afloram, a perspectiva de regulagem e ‘puxão de orelha’ pelos professores é real e consequentemente (que legal, tô escrevendo essa palavra de acordo com a nova ortografia. Que pena que o dicionário do computador não aceite eu escrever certo – o traço vermelho indica ‘erro’. Lelê já está estudando dentro das novas regras) nós pais seremos também chamados na regulagem. A direção e coordenação da escola deveriam nos chamar para elogiar nossos filhos para dizer que eles são falíveis e passíveis de mal educação. A educação toda sem mácula é uma porcaria. Afinal, errar não é humano? Melhor ainda quando está no santuário escolar. Santuário? Perguntem aos professores quem são os pestinhas de nossos filhinhos!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Filosofia profunda

Lelê estava tomando café, absorta, e eu cheguei – hoje ela acordou tarde: quase dez horas, por isso não tomei café com ela. É carnaval! Xô, 5:30 h. dos dias de aula!
LL: Pai, porque que essa toalha branca – da mesa – eu não posso dizer que ela é vermelha?
DD: Pode. É só você pintá-la de vermelha e depois é só você falar que essa toalha é vermelha.
LL: Não, pai, não é isso que eu quero dizer. Eu quero falar... Deixa ver... Vê se você me entende... Tá vendo aqui a parede... Por que o nome dela é parede e não outro nome? Você me entende?
DD: Ah, já sei o que você quer dizer. Você quer saber, por exemplo, por que uma cadeira é uma cadeira e não... Digamos... Não é uma xícara!
LL: Isso!
DD: Ah, minha filha, isso vai ser difícil d’eu te explicar. Isso é uma questão filosófica. Olhe só, tem um filósofo chamado Giambattista Vico, italiano, que fala que o homem só conhece verdadeiramente aquilo que faz ou cria... Não, não é isso que eu quero te explicar... Deixa eu ver... Ah, tem o filosofo francês Degérando que examinou as mútuas relações entre os signos e a arte de pensar... Ele analisa a formação das idéias e a instituição dos signos, a imaginação e a memória... Não, não, não, pelo amor de deus, esquece tudo que eu falei porque eu não sei nada do que esses caras falaram e nem eu sei o que acabo de falar.
Lelê franziu o cenho como se achasse que eu não havia ainda tomado café.
DD: Olhe, filhinha, você começou a estudar filosofia esse ano, e, talvez, suas dúvidas sobre as coisas aumentem mais ainda, e isso é importante, porque a filosofia quer que questionemos sobre tudo, sobretudo sobre a própria filosofia...
LL: Pai, ô pai...
DD: Calma filhinha, eu vou procurar ler sobre esse enigma, sobre essa coisa difícil de te explicar. Depois eu vou ver em nosso dicionário de filosofia que está lá em cima, em nossa biblioteca, o dicionário de Nicola Abbagnano, que é excelente, e te explicar porque as coisas são as coisas que são e não as coisas que deveriam ser.
Saímos da mesa do café e Lelê foi brincar e eu saí frustrado porque não tive uma resposta plausível para ela. Vou ter que reler, para início de conversa, O Mundo de Sofia de Jostein Gaarder.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Uí, madame!

• Lelê continua em seus primeiros passos no inglês. São os primeiros passos de fato. Está aprendendo os pronomes pessoais com o verbo to be. Expliquei-lhe as pronúncias dos pronomes e do verbo to be no presente do indicativo.
DD: Como se pronuncia a primeira pessoa do plural?
LL: uí.
DD: Muito bem. E o que significa?
LL: Significa ‘sim’.
DD: Como assim ‘sim’? Veja bem: I significa eu, You significa tu. É só seguir a ordem no português.
LL: ‘Uí’ signfica ‘sim’.
Caí na real e dei uma gargalhada. A questão é que aqui em casa eu e Maurinete, e por tabela Lelê aprendeu conosco, quando falamos ‘sim’, em qualquer situação, só falamos ‘oui’ (pronúncia de uí) em francês.
DD: Não, filhinha, isso é coincidência de ‘we’ em inglês ter a mesma pronúncia do ‘oui’ em francês. O significado de ‘we’ em inglês é nós, e não ‘sim’. Mas tudo bem, eu não tinha alertado para isso.
• Lelê adora brincar. Não de carnaval, mas de qualquer coisa. Quanto mais bagunçar com ela, mais ela gosta. Hoje brincamos de empurrar um ao outro, de pega-pega correndo dentro de casa por entre os móveis – e Maurinete chamando nossa atenção pra não cairmos e nem esbarrarmos nos móveis. Outra brincadeira é eu deitar no chão, levanto as pernas e ela coloca sua barriga nas solas de meus pés e eu a equilibro. Se Maurinete visse iria nos dar a maior bronca. “Ô beibe, você quer arrebentar com sua coluna! Você não está vendo que vai derrubar essa menina e ela vai quebrar o braço!”... Mas ela não viu e o show da dupla trapezista saiu a contento.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Informação


• Em conversa do dia-a-dia de mãe para filha Mauri fala pra Lelê que ela já está ficando uma mocinha e que logo, logo quando ela completar uns treze anos, portanto daqui a três anos, ela estará menstruando, e, a partir daí seu crescimento cessará.
LL: Eu não vou mais crescer mãe, jura?
Mauri: Vai não.
LL: Você menstruou também quando tinha treze anos, e aí você parou de crescer e tá desse tamanho que você é hoje desde os treze anos?
Mauri: É sim. Isso é um processo natural, isso é da natureza...
LL: E, você, pai, também menstruou com treze anos?
DD: Foi sim.
LL: E o tamanho que você está hoje é desde quando você tinha treze anos também?
DD: É, sim.
Mauri: Ele está de gozação com você, minha filha. Homem não menstrua.
LL: Ah, pai...
• É costume nosso quando estamos andando de carro pegarmos um livro, ou os livros didáticos de Lelê e irmos estudando com ela os deveres da escola. Ontem estávamos lendo um capitulo do livro de filosofia onde aborda questões marcantes na história da humanidade contemporânea, e aí aproveitamos as temáticas e vamos fazendo os devidos adendos para Lelê melhor entender os textos. O escrito que Lelê estava lendo para nós falava da bomba de Hiroshima, tsunami, aborto, drogas, ecologia e outros assuntos. Depois comentamos como os livros da escola de hoje em dia mudaram. São temáticas atualizadíssimas, envolventes, livros ilustrados com desenhos e fotos bem esclarecedores. O caso do tsunami foi praticamente ao vivo, as imagens flagrantes da televisão foram de arrepiar, e hoje, se quisermos rever tudo isso possivelmente encontraremos os arquivos na internet. A geração Lelê tem um tsunami de arquivos que pode naufragar essa geração em tanta informação, por mais contraditório que isso possa parecer.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Nasce uma estrela

Há mais de ano que Lelê foi fazer uma aula experimental de teatro para ver se gostaria ou não de fazer teatro na escola do grupo teatral Néia e Nando. Não, não ficou. Não gostou. Quinta-feira última ela voltou a fazer mais uma aula experimental, só que dessa vez era na sua escola, com seus colegas de sala e de colégio. Estávamos receosos em decorrência da experiência anterior. Ela aceitou e ficou toda empolgada. Gostou demais!
Estávamos – Lelê, Mauri e eu – jantando e conversando sobre essa aula de teatro. Mais empolgados do que Lelê eu e Mauri falamos teatralmente para Lelê:
Dudu: A partir de quinta feira última o teatro brasileiro começou a escrever uma nova página em sua história. O teatro brasileiro se dividiu, a partir dessa quinta-feira última, em antes e depois de Lelê.
Mauri: Isso mesmo. Já imaginou, Lelê dando entrevista para jornais e televisão, falando de sua carreira, dizendo assim: “Eu quando era criança fiz aula experimental para ver se entraria para o teatro, e fiquei em dúvida se faria ou não essa arte, se começaria a construir a partir daquela data uma experiência artística – Lelê ficou só escutando nós dois com cara de admiração, principalmente porque nós caprichávamos o tom de voz – mas graças a persistência de minha mãe, graças a Deus estou hoje aqui prestando minha contribuição ao teatro brasileiro.
DD: “E graças também ao meu pai que me estimulou muito para eu fazer o Kumon, que é uma verdadeira aula de estímulo à disciplina e a vontade de querer estudar, dois fatores basilares na formação de um ator”.
Lelê estava rindo, quase babando de vaidade. Mauri disse que um dia desses estava ouvindo na rádio CBN uma entrevista com Gilberto Gil em que ele falava que a avó dele foi uma grande estimuladora para sua carreira, lhe ensinando o prazer de estudar, de ler – mais ou menos essas coisas. Também citei o caso de Rafael Cortez, integrante do programa de humor-jornalismo da TV Bandeirantes, o CQC, que eu gosto muito, ao jornal Rascunho – o jornal de literatura do Brasil – em que ele fala que sempre foi estimulado a ler o tempo todo por sua avó materna. Ela reunia ele e seus irmãos em seu apartamento para ler clássicos de Monteiro Lobato, despertando-os para o interesse pela leitura e a escrever bem e bastante. Então eu e Mauri apenas estávamos seguindo exemplos naturais de pessoas que tiveram seus talentos despertos por estímulos de pessoas próximas e persistentes. Agora, sem sacanagem, independente disso sentimos que Lelê gostou da aula de teatro, que será toda quinta-feira. Apostamos nela.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Conversas do além

LL: Pai, sabia que você é um marciano?
DD: Por quê?
LL: Porque tem olhos verdes.
DD: Que estória é essa?
LL: Foi a professora que falou que todas as pessoas de olhos azuis ou verdes são marcianas.
DD: E as que têm outras cores são ETs?
LL: Não.
DD: Então essa teoria de sua professora tá meio capaenga.
LL: Sabia, pai, que lá no meu colégio tem uma menina vampira?
DD: Por que ela é vampira?
LL: Ela disse que é porque não gosta da cor vermelha.
DD: Pelo contrário, ela deveria gostar do vermelho porque é a cor de sangue, que é o que todo vampiro gosta.
LL: Ela falou que tem oitenta e três filhos.
DD: Uau!!!
LL: Eu acho que ela queria dizer que são oitenta e três bonecas.
DD: Mesmo assim acho que é exagero. E haja quarto pra tanta boneca.
LL: Um dia desses, pai, eu estava lendo na biblioteca, e ela chegou e sentou na mesa ao meu lado e ficou digitando com os dedos na mesa e ficou falando uns números esquisitos!
DD: Ela não é vampira coisa alguma, filha, isso é fantasia dela, ou, mais do que isso, fantasia de quem quer acreditar.
LL: Não, pai, ela é vampira, ela acha que é vampira.
DD: Ã rã!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O jaleco

Aula de laboratório. É mais uma novidade na vida escolar de Lelê. Ela tá toda empolgada com essa aula, principalmente porque tem que ter uso obrigatório de jaleco. Jaleco com seu nome escrito acima do bolso do lado esquerdo do peito. Tudo providenciado e Lelê, até que enfim vai se tornar “doutora”. Foi assim que ela se sentiu vestida com aquele jaleco branco, símbolo universal da profissão médica. Ah, como podíamos deixar passar em branco esse momento? Qual nada!
LL: Pai, eu mereço uma foto.
DD: Com certeza.
Corro e busca a máquina. Clique! Pronto, o registro para toda a vida de Lelê.
LL: Mais uma, pai!
DD: Vamos lá!
Clique! Clique! Sei lá o que Lelê vai ser na vida, que profissão vai exercer. Não temos a menor idéia. Só estamos preparando-a para a retidão na vida. O mais, o futuro delineia.
Fiquei observando a força que o jaleco exerce sobre as pessoas – adulto ou criança. Acredito que a empolgação de Lelê vestida num jaleco seja tanto quanto ao de um médico, ao de qualquer profissional que use um profissionalmente.
Um pouco de história sobre o jaleco não faz mal a ninguém. Li num livro bem interessante, Medicando com Arte, dos médicos Armando José China Bezerra e Jordano Pereira Araújo, publicado pelo CRM-DF que “a vestimenta relacionada à profissão médica sempre variou muito entre as diversas culturas. Em várias cidades européias da Idade Média, o médico usava roupa vermelha para se destacar dos outros profissionais. Nos primeiros hospitais surgidos na Europa, nos quais quem prestava cuidados era o clérigo, a cor usual das roupas era o preto. Nesse período , os hospitais eram locais onde os doentes que não tinham assistência familiar iam para passar seus momentos finais, já que a Medicina não podia fazer muito por eles. Assim, a roupa escura ajudava a criar um ambiente apropriado de luto. Entretanto, até o fim do século XIX, não havia um uniforme ou uma cor ligados diretamente à profissão. O médico usava no consultório e até nas salas de cirurgia as mesmas roupas que usava na rua”. Não falei pra Lelê isso sobre a história do jaleco, mas vou contar.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Marcando presença

Mauri: E aí, Lelê, está gostando da aula de inglês?
LL: Só não está melhor porque não sei falar inglês.
DD: É porque você está no início ainda, minha filha. Você ainda não teve nem quatro aulas de inglês em sua vida e já quer dominar o idioma de uma vez!
LL: Mãe, diga como é que fala ‘presente’ em inglês.
Mauri: gift.
LL: Não é.
Mauri: É, sim.
LL: Não é, mãe!
Mauri: E como é, então!
LL: É ‘present’.
Caimos na gargalhada.
DD: Não, filhinha, o presente que nós estávamos pensando que você queria dizer era o substantivo masculino significando brinde, dádiva, e não o adjetivo, no sentido figurado, que participa da aula, no seu caso quando a professora fala seu nome e você diz “presente!”.
LL: Mas eu queria saber logo de inglês.
DD: Eu sei, mas um idioma a gente aprende aos poucos. Tem uma música que Elba Ramalho canta que fala que “toda caminhada começa com o primeiro passo”.
LL: Como assim?
DD: Isso significa que você está hoje na quinta série-sexto ano...
Mauri: Mas pra isso você teve que começar lá na escola infantil, no presinho, depois primeira série... até chegar onde está e caminhará até você se formar...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O homem-memória

Moraes Rego. Esse é o nome da nova escola de Lelê. Já falei aí acima. Escola particular tradicional de Brasília, há mais de trinta anos mo mercado educacional brasiliense. Essa é a primeira vez que Lelê estuda numa escola particular. Gostamos dela. Acredito que já escrevi que são cerca de dezessete alunos na turma de Lelê, ao contrário do muito bom Colégio Marista que são quarenta por turma, onde procuramos informações quando da matricula de Lelê.
Na Moraes Rego quando as aulas encerram há um bedel que fica na porta de entrada do colégio e a proporção que os pais vão chegando para pegarem seus filhos o bedel, microfone em punho, chama o nome de cada aluno e a turma, anunciando a chegada do responsável. “Letícia Alves, sexto ano bê”, “Carlos Rodrigues, nono ano A”... A princípio a gente pensa que o cara tem uma memória fora do comum, mas é só observar que todos os dias, de segunda a sexta-feira, o ano inteiro ele repete o nome de todos os estudantes, e não seria diferente se não decorasse o nome de todos eles, do maternal ao nono ano, séries existentes no colégio. Lógico que isso funciona também como estratégia da escola, para quem ver pela primeira vez, para acreditar que essa escola é diferente de todas, pois atende seus alunos de forma personalizada.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Sol

Ufaaaa!!!! Adeus horário de verão! Lelê não se conteve de alegria porque agora irá acordar com um pouco menos de escuridão e logo logo a seguir o sol aparecerá. E hoje, primeiro dia escolar sem a o breu matutino, parece que o Sol apareceu mais belo do que todos os outros dias. Ela acordou alegre, banhou-se, vestiu o uniforme, tomou café, calçou os tênis, e, lá vinha ele, o Sol. Como diz a música de Raul Seixas, que Lelê conhece muito bem, “o Sol vem surgindo detrás das montanhas azuis”. Lelê falou que o Sol estava tão lindo que merecia uma foto. Então fui buscar a máquina fotográfica, dessas que a gente olha pelo buraquinho para ver o fotografado enquadrado, e não dessas que a máquina te enquadra quando a colocamos na distância do nosso braço e você mesmo se fotografa. Pois bem, sem os poderes da modernidade, fotografei Lelê tendo como fundo o Sol. Uma foto na varanda interna de casa e outra em frente também à nossa casa. Vi a hora Lelê esticar o braço e pegar o rei da luz quente com as mãos e presenteá-lo a si mesmo. Quando a van escolar chegou para pegá-la o Sol parecia que já era o de meio-dia. Millôr Fernandes sobre o Sol: “Lá em cima o sol, caminhando de um dia pro outro”. Pra não dizerem que eu só falei bem do Sol, transcrevo outra de Millôr: “O sol está a 150.000.000 de quilômetros da terra. Mas dá um jeito de sua luz viajar a 300.000 quilômetros por segundo só pra aporrinhar às cinco da manhã o boêmio que foi dormir as três”.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Da internet

Quando vejo, tá lá Lelê fazendo uma bateria de exercícios e deveres de casa com a internet ligada. Passando um clip, ou algo parecido, e tome que escreve algo do livro no caderno sobre a escrivaninha. Com calma cheguei junto a ela e disse que assim, dessa forma de estudar, acreditava eu que seu rendimento não seria uma boa.
LL: Mas pai, eu já li todo esse texto de história.
DD: Não duvido. Ler é uma coisa, entender é outra.
Ela já estava praticamente no final dos deveres e depois conversamos, eu e Maurinete, que não seria mais permitido ela fazer dever escolar com o computador ligado na internet, assistindo clip, ouvindo música, tocando flauta, tudo ao mesmo tempo agora. Depois peguei o caderno dela e vi muitos erros de português e há carência de melhor ordenação em suas explanações. A verdade é que essa geração Lelê/toddy/iogurte/pão e congêneres enlatados, quer tudo enlatado, até o conhecimento via inteligência Google, o salvador da pátria. Não nego as facilidades do computador. Não sou burro. Julgo. No entanto, só computador, não é possível. É verdade que todos os dias ela pede nossa orientação nos deveres, sem entregarmos o queijo e a faca de graça pra ela. Bem, quem tem filho sabe que os tempos modernos também é uma sinuca de bico.
Abunda informação na escassez de conhecimentos. A propósito: li um artigo de Rose Muraro, no Correio Braziliense do último dia 12, muito bom, exatamente sobre essa questão da escassez dos gênios culturais e científicos de nossa época em decorrência dessa nossa civilização de consumo, internet e videogames. Para ela parece que estamos em um século de deserto. Acrescenta: “da segunda metade do século 20 em diante, estamos cercados de uma noosfera imbecil, niveladora por baixo, que faz que os grandes gênios que certamente existem não possam acontecer. Seja pela pobreza material, seja pela pobreza emocional e espiritual”, E vai mais: “Rádio, televisão, videogames, a primazia do consumo sobre a qualidade de vida, tudo isso é ambiente nefasto para o caminhar da espécie humana que está nos fazendo chafurdar nesta realidade rasa e pantanosa”. E por aí vai. Mas eu estava falando mesmo era da interferência da internet, esse mundo fantástico, na aprendizagem escolar de Lelê. A verdade é que ela é tão fantástica que, se não tivermos cuidado ela acaba nos engolindo. Ah, estou abordando essas questões aqui não é porque eu queira infernizar a vida de Lelê para ela se tornar gênio, não. Fui!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Excelente porcaria

Estávamos – eu, Lelê e Maurinete - no shopping center Conjunto Nacional comprando umas roupas pra mim e passou por nós os atores da companhia velha de guerra conhecida de Lelê , Néia e Nando, distribuindo panfletos sobre a peça Os TrêsPorquinhos. Estavam vestidos a caráter. Era umas dezesseis horas e a peça seria as dezessete. Esses atores são batalhadores mesmo. Uma hora antes do espetáculo os caras ainda estão pescando expectadores pelas ruas. A peça seria no teatro da Escola Parque, escola que Lelê freqüentou por três anos, uma vez por semana. É uma escola que ela sente saudades. Lelê fez cara de que queria ir pra peça. Maurinete tinha um compromisso às 17:00 h. e então eu e Lelê zarpamos pra lá.
É um conto tradicional a história clássica dos Três Porquinhos, e o grupo faz várias adaptações pros dias de hoje inserindo trechos de música funk, gozações com as duplas caipiras, no caso deles uma tripa caipira, como eles falam e faz algumas inserções participativas da platéia. As crianças se divertem pra caramba como os pais também. Tinha momento que eu percebia que os pais pareciam os filhos, rindo de graça.
Depois perguntei pra Lelê se ela tinha gostado e ela falou que só não gostou mais por causa do guri que estava ao nosso lado, um molequinho de uns quatro anos de idade, que a todo instante estava falando, gritando, xingando o lobo mau... e o pai não tomava nenhuma atitude para não atrapalhar quem estava ao seu lado.
Quando chego em casa tenho que anotar na ficha essa peça que Lelê viu e lhe pagar dois reais, que é o valor por cada peça que ela assiste.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Tarsila

• Fui pegar Lelê na escola. Sexta-feira treze. Ela, como todo supersticioso, tem receio desse dia.
LL: Pai, você num fica preocupado não?
DD: Com o que?
LL: Hoje é sexta-feira treze!
DD: Não vejo diferença em ser sexta-feira treze, quatorze, quinze... Não tenho medo de escada passar por debaixo de mim ou vice-versa.
LL: Cruz credo, pai!
• Estamos passando pela quadra 105 Sul, Lelê aponta para os tapumes de uma obra:
LL: Olá, pai, o quadro da Tarsila do Amaral!
Era um grafite.
DD: Como você sabe que é da Tarsila do Amaral?
LL: E nós da Escola Classe não fizemos um trabalho o ano passado sobre pintura!
De fato, no final do ano passado sua ex-escola fez um belo trabalho com todas as turmas do colégio. Cada turma pegou um pintor brasileiro e reproduziu suas principais obras – e expôs suas biografias - em cartolina, papel machê, etc. e mostrou em murais. Foi uma exposição coletiva vista pelos pais em uma festa de fim de ano muito legal. Dejanira, Di Cavalcanti, Portinari, Tarsila, Athos Bulcão, etc. desfilaram pelos murais da escola.
DD: E você está lembrada como é o nome dessa pintura?
LL: Não.
DD: É o Abaporu
Lelê despertou-me a curiosidade e quando cheguei em casa fui pesquisar sobre o Abaporu: pintura (óleo sobre tela) de 1928. É a tela brasileira a alcançar o maior valor em um leilão: 1,5 milhão de dólares. Foi comprada pelo colecionador argentino Eduardo Costantini e está exposta no MALBA – Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O velhinho historiador

Não, num é prova não. Um texto de história de sete páginas, com ilustrações, para início de conversa. Lelê tinha que lê-lo para a aula de história de amanhã. Ela pediu para ler para mim. Cada um tem seu estilo de estudo. Por certo ela falando para alguém o entendimento para si é melhor. Então ouvi o texto “Por que o passado me interessa?”, uma compilação de introdução à história. Um dos itens de estudo era “o que faz um historiador”. Diz o texto que, para o historiador, mais importante que o acontecimento em si é saber por que o fato aconteceu, qual sua causa ou motivo e diz que o historiador trabalha com as perguntas básicas por quê? Como? Onde? Quando? Quem? E assim por diante. Cita como historiador nada mais, nada menos do que o Eric Hobsbawm. Depois que Lelê terminou a leitura do texto perguntei-lhe o que mais lhe chamou a atenção. De imediato ela falou que foi o fato de Hobsbawm ter nascido em 1917 e ainda estar vivo. Soltou um “Caracas!” do tamanho da distância de sua idade e a do historiador egípcio naturalizado inglês. Fomos fazer as contas e o Eric está com 91 anos, e, se não me engano, ainda continua dando aulas, o que aumentou mais ainda a perplexidade de Lelê. Pela a admiração de Lelê dá pra traduzir que o Eric Hobsbawm além de ser historiador ele é a própria história viva. Fazendo as contas, ele nasceu em plena revolução russa, 1917, passou pela segunda Guerra Mundial e de leve acompanhou via televisão, jornal, internet e rádio essas guerrinhas sujas que os Estados Unidos criou desde a década de 60 até hoje. Lógico que não adentrei esses detalhes pra Lelê, mas lhe chamou a atenção também, puxando o fato de Hobsbawm estar vivo, o Oscar Niemeyer também estar vivo, vivíssimo, com seus 101 anos. Aí é que Lelê foi ao delírio. Haja história que esses dois velhinhos geniais tem para contar.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

The book on the table

Depois da janta Lelê pede a Maurinete para fazer um cafuné na barriga dela.
LL: Mãe, massageia aqui minha barriga.
Mauri: Não senhora, vamos massagear seu cérebro pra terminar de fazer os deveres da escola.
Hoje LL aprendeu na aula de inglês as cores básicas e os nomes de algumas frutas. Treinou comigo e mais tarde com Maurinete. Também aprendeu algumas frases de cumprimento e tive que repetir várias vezes para ela articular bem sua fala o “what’s your name? My name is...”. Vamos ver se a guria não vai ficar, como os pais, no vergonhoso “the book on the table”. Mesmo tarde eu e Mauri já estamos providenciando o estudo de inglês de forma séria. Estou terminando o curso de português no Kumon e logo a seguir vou engatilhar o curso de inglês juntamente com Maurinete. Agora ou vai ou racha. Com Letícia dando seus primeiros passos acreditamos que vai ser bom para os três. Lelê também está estudando o espanhol, como obrigação curricular do MEC. Ela está adorando porque foi sempre o sonho dela estudar espanhol, simplesmente por causa dos Beatles dela, que é o RDB, conjunto mexicano que arrastou Brasil a fora milhares de crianças com suas músicas, suas músicas... Sei lá como definir aquilo! São nessas horas que a gente bota a mão na cabeça e pergunta: “meu deus do céu, onde foi que errei?”.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Parem o mundo que eu quero descer!

O bicho está pegando. Pintou um desespero em Lelê e ela começou a chorar. A questão é que, desde o jardim da infância ela tinha sempre um professor, e agora ela tem para cada disciplina – e é disciplina mesmo! – um professor. De português a ciências, passando por filosofia e artes são quase dez professores. De repente a menina viu que as tarefas de casa cresceram de volume, a descentralização professoral a cobrar deveres e mais deveres todos os dias assustou Lelê. Chegou vinte e uma horas e as tarefas não estavam prontas. E o chororô tomou de conta da guria. A ajuda de Maurinete lendo textos para ela entendê-lo para responder questões e eu dando uma mãozinha em desenho – sou bom para reproduções de desenhos – foi uma mão na roda para acalmá-la e fazer com que ela comece a perceber que ela agora tem que se organizar, administrar seu tempo para não se perder com as tarefas escolares.
Isso significa que Lelê começa a adentrar o mundo da trituração do pequeno ser singelo que era, a criança despreocupada com o tempo e com nada, para entrar no mundo da competitividade escolar, mesmo que todas as escolas digam que não, que a escola formará uma cidadã para um futuro promissor. Mas sabemos que, no fundo no fundo a globalização, o mundo moderno, o liquidificador das intempéries contemporânea é um caminho sem volta. Do contrário, quem não seguir esse ritmo cairá no isolamento. Resta-nos, como pais, aparar as arestas das angústias da modernidade para que Lelê, todos nós, não sejamos apenas um dado estatístico jogado na mesa de negociação de Dôrra. E nós vamos conseguir isso?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Burocrata

Cinco e quarenta. Tudo escuro. A matina dorme, o sol dorme, Maurinete dorme, o galo dorme, a lua dorme, o mundo inteiro – para Lelê – dorme. Inclusive o Japão lá do outro lado do mundo. Sonolenta, irada com o horário de verão, tomando café nesse horário, Lelê indaga:
Lelê: Pai, quem inventou essa droga de horário de verão?
Dudu: Algum burocrata fela que deve ir pro trabalho lá pelas dez horas.
LL: E o que é fela?
DD: Esquece.
LL: Não, fala pai, fala!
DD: Tudo bem: significa filho-da-puta.
LL: E burocrata?
DD: É a mesma coisa.
LL: Um dia desses um motorista deu quase uma fechada na mamãe e ela falou alto pra ele: “seu filho-da-puta!” . Então ela podia ter dito “burocrata!”.
DD: Exatamente. Ou se não de ‘burrocrata!”. Mas essa escuridão não é em todo canto não. Lá em Cajazeiras, na Paraíba, quando é cinco horas da manhã o sol já apareceu.
LL: Ê povo de sorte!
DD: Mas quando é seis horas da noite já tá tudo escuro.
LL: Ê povo de azar!
DD: E assim caminha a desumanidade. Esse sacrifício todo, minha filha, é pra a gente adquirir conhecimento. Todo dia você vai aprendendo um pouco. O conhecimento não vem assim, tudo de uma vez só, derramado em sua cabeça. Acordar cedo pra ir pra escola, estudar, fazer dever... Num tem jeito, todo mundo é assim. É lógico que tem gente que estuda a tarde e também pode pegar uma lombeira em sala de aula depois do almoço, ou cochilar a noite depois de um dia de trabalho.
LL: Pai, e...
DD: Iche, maria, olhe a hora,minha filha, são seis e dez, o James Dean já está passando na van! Vamos, escove os dentes, rápido, senão vamos atrasar!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A conta da escola

Quando fomos comprar os livros de Lelê na Livraria Saraiva ela entrou no ambiente e exclamou um “hummmmm!!!!, que cheirinho gostoso!”. Referia-se ao odor de livro novo que exalava em todo ambiente. Maurinete manifestou interpretação de “essa menina realmente vai ser uma bibliotecária”. Ela, lógico, ficou toda cheia de si. A convite dela, Lelê, fomos dar um giro pelas estantes, folheando livros, observando materiais escolares, farejando a criatividade das histórias dos muitos escritores ali presentes. “Olha, pai, o Menino Maluquinho na capa do caderno!”. Em tudo quanto é material estudantil a gente encontra o Menino Maluquinho do Ziraldo. No livro de português de Lelê, tá lá ele, em tirinhas. Se a gente não toma cuidado sai atropelando esse el pibe piola por tudo quanto é folha de papel ao vento. Ziraldo: o homem-fábrica do little boy.
Os livros didáticos Lelê não tinha como escolher, mas os cadernos ela escolheu de acordo com o seu deleite atraído pelo o charme consumista das capas, retratando o estilo infantil feminino. Livro literário não foi dessa vez que compramos, a conta dos didátticos estava salgada, mas em casa ela ainda tem vários livros para ler.
Oh, santa classe média, ainda temos que comprar uma mochila, jaleco – para a aula de artes -, o livro de inglês para a Casa Thomas Jefferson, sem contar a despesa com o transporte escolar – a van de James Dean. Será que o motorista da van é fã mesmo do James Dean?

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Café-com-leite filosófico

Dá dó –percebi o cacófato – ter que acordar Lelê às cinco e trinta da manhã. Tudo escuro, a madrugada ainda está vivíssima, nem um galo pra a gente ouvir cantar. Se bem que, pelas redondezas daqui de casa não existe esse despertador natural. Depois que o celular toca sua sineta tenho que tirar Lelê de seu sono profundo. Incrível, ela não faz cara feia, não faz jogo de querer ficar mais um pouquinho na cama, nada. De imediato ela se levanta e já vai buscar sua toalha pra tomar banho. Se arruma e o café já deixo pronto na mesa pra ela. Hoje, não sei se foi por displicência ou por sono, deixou derramar café-com-leite na blusa do colégio. Ainda resmungou um tipo “nojo!” pelo o auto incidente. Maurinete correu e conseguiu limpá-la a tempo sem prejudicar seu uso. Esse fim de semana ela vai ser lavada. Ontem era sua primeira aula de filosofia. Que o pingado derramado não estragasse seu dia. Não adianta chorar pelo leite derramado. Deu até vontade de lhe falar pra derramar o café-com-leite na caneca da filosofia. Sua caneca é profunda – se coloco outra caneca, que não seja a dela, a reclamação logo surgirá - suporta xingamentos matinais, mas só até antes do pôr do sol. Não lhe falei isso por que sua anima ainda estava nos lençóis da cama, repousando no travesseiro. Lelê iria soltar um “o quêêê!!” e eu iria respondê-la: “Não se preocupe, filhinha, isso aconteceu porque eu cortei seu pão com um corte epistemológico, a faca estava muito amolada pela refratalidade Kantiana, e aí a manteiga escorreu pelos ditames Kierkegaardiano”. Exclamativamente Lelê diria: “Pai, você tá maluco? Você já se acordou?”.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Café com leite

Estávamos nós três jantando – Madulê – e Lelê estava falando-nos de como tinha sido sua primeira aula de inglês. Todos tinham que falar somente em inglês, a exceção dos café-com-leite. Café-com-leite? Que que é isso? São os alunos que começam a estudar inglês pela primeira vez e podem falar em português na aula, por enquanto. Lelê aprendeu o alfabeto, os números ordinais até dez e mais algumas frases de cumprimentos.
A televisão estava ligada no Jornal Nacional da Rede Globo e eu estava escutando-o em off, com uma vontade louca de ver a reportagem que falava de Barak Obama. E aí, ver o Jornal Nacional ou prestar atenção em Lelê falando com entusiasmo de sua primeira aula de inglês na Thomas Jefferson? É lógico que eu escutei Lelê, e Obama ficou pra amanhã, pre’u saber se ele é um café-com-leite que está agindo com habilidade ou não. Se ele é um café-com-leite no enfrentamento da atual crise econômica global. Só não posso dizer, em absoluto, que José Sarney e Temmer são cafés-com-leite nas presidências do Senado e Câmara respectivamente. Pela terceira vez ambos ocupam as presidências daquelas casas. Esse é o Brasil que vai pra frente, novidadeiro, país pra inglês ver. Lelê começou a pronunciar o alfabeto inglês pra gente lhes dizer se estava correto ou não, e a letra ‘a’ estava errada, ela pronunciou ao pé da letra, coisa que os três políticos acima citados não farão em seus mandatos. Yes, they can, com suas lógicas políticas que Lelê não está interessada em saber e nem eu quero falar. Bái!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Que saudades!

Todo início de ano é isso: cadernos novos, livros novos, tudo novo. Então, vamos caprichar para que tudo continue novo até, pelo menos, no fim do ano, e, para que tudo fique conservado só resta cobrir, principalmente, os livros com plástico. Sobrou pra mim essa tarefa. Eu já tinha os plásticos grossos e transparentes, e comecei a cortar daqui, aparar acolá, dobrar aqui, durex colando nas pontas dos dedos e eu dando currulepe – o Aurélio não registra essa palavra: sacudir os dedos velozmente no ar para que se descole o durex das pontas dos dedos – e o bicho nada de despregar de meus dedos. O importante é que o material estará, provavelmente, protegido de dedos gordurosos de quando Lelê terminar de almoçar – num tem jeito, criança acaba esquecendo-se de lavar as mãos por mais que você oriente.
Fui encapando os livros e lembrando de quando eu era criança e tinha também meus livros cobertos para não sujá-los, até o fim do ano não digo, mas até o fim do primeiro mês... vá lá. A letra caprichada nas primeiras páginas dos cadernos Lelê disse que iria fazer, como eu também fazia. Só nos primeiros dias, lógico.
É muito agradável cheiro de livro novo.