Não, não é o que os pais desejam a seus filhos, que sejam reprovados nas disciplinas do colégio, e eu não jogo contra minha filha, mas, tenho que confessar: graças a deus Letícia ficou reprovada na disciplina literatura nesse terceiro bimestre. Nunca ela ficou reprovada nessa matéria. Nunca. Mas esse semestre ficou. Qual o motivo? Julgo que foi desleixo, um lapso, um descuido bobo. Não que ficar reprovada em literatura seja desonra pra ninguém. Literatura é tão importante quanto matemática, geografia, ciências, ou outra disciplina qualquer. Ou, até mesmo mais importante do que qualquer outra matéria. Depende do grau de interesse do aluno. Pudera que Letícia fosse apaixonada por literatura em grau elevado. Quisera que ela se aprofundasse em literatura desde os estudos do primeiro grau e assim continuasse até a universidade, e muito mais depois da universidade. Que fosse ser professora de literatura clássica, ou sei lá que outra vertente literária, ou até mesmo se fosse escritora, se houvesse talento para tal.
Mas ela ficou reprovada em literatura, e por conta disso teve que ler um livro, fazer um resumo e apresentá-lo para sua professora. Não me lembro de ter visto essa menina ler alguma obra literária esse semestre, e agora, em decorrência dessa reprovação, a menina danou-se a ler. Em poucos menos de três semanas ela leu O Viajante do Tempo, de Orígenes Lessa; A Vitória da Infância, de Fernando Sabino; Tristana, de Fausto Wolff; Carta aos Estudantes, também de Fausto Wolff; Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato; e Greve na Escola, de Ivana Versiani.
De repente vejo Lelê deitada no sofá da sala absorvendo um livro, esquecida do mundo, viajando na leitura fantasiosa de um bom livro. À noite, antes de dormir, estava ela sentada na cama, pronta para dormir, agarrada nos braços da imaginação de Fernando Sabino. A hora avançando, querendo se aproximar da meia noite, e Maurinete falando pra parar a leitura porque ela tinha que acordar as cinco e trinta da madruga para se arrumar pra ir pro colégio, e a bruguela parece que não tava nem aí. Foi preciso a mãe dá-lhe bronca para ir dormir.
Alguns dias depois vejo na escrivaninha de Lelê o livro Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector. “Que é isso, minha filha?”, perguntei-lhe espantado por essa sua voracidade de leitura. Sei que ela não vai ler esse livro, pois seu colégio tá arrochando nas matérias para provas.
Lelê tem uma ‘turma da Luluzinha’ no colégio e elas estão sempre em contato via telefone (tem hora que não pára as meninas procurando por ela) e mundo digital, via facebook (face, como ela fala de forma reduzida), e-mails, orkut, ou outros badulaques cibernéticos que não conheço. É um grupo de amigas que estão naquela fase de ti-ti-ti, de segredinhos, de nhén-nhén-nhém, e por isso Lelê quer entender melhor o que é a amizade. Digo isto porque também encontrei sobre sua escrivaninha o livro Cartas aos Amigos, de Franz Kafka. Ela adora escrever cartas para as amigas. Falei-lhe pra se concentrar mais um pouco nos estudos e deixasse esse livro para ler nas férias, que já estão se aproximando. Penso que ela está querendo aprender melhor a técnica de escrever cartas. Quer ver se descobre formas de surpreender suas amigas em missivas maravilhosas. Para encontrar esse livro do Kafka em nossa biblioteca, de aproximadamente mil livros, ela teve que percorrer praticamente tudo com o dedo, já que eles estão em ordem alfabética de autores, e provavelmente chamou-lhe atenção esse Cartas.
No dia seguinte vejo Lelê com outro livro. Agora já estava com o Bom Dia, Tristeza, de François Sagan. Tava lendo e gostando muito. Expliquei-lhe o sucesso que foi esse livro na época de seu lançamento e quem era a autora. Mais uma vez pedi-lhe para colocar essa obra na sua lista de fim de ano pra ler, porque os deveres da escola estavam imprensando-a contra a parede. Nunca vi tanto dever! Essa ânsia de querer ler tantos livros nesse momento, isso não significa que ela será uma leitora contumaz, mas pelo menos terá nosso apoio.
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