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sexta-feira, 9 de abril de 2010

Linguística

Provavelmente tenha sido na aula de redação, ou talvez na de gramática, ou, sei lá, pode ter sido em qualquer aula, com qualquer professor. Com a galera da rua acho que não foi não. Só sei que pra tudo que Lelê fala hoje, ela tem que encaixar a frase: “tem que ter uma variedade linguística nessa...”.
Estava eu vendo noticiário na televisão e Letícia tasca pra mim um: “pai, você não acha que deve ter uma variedade linguística nas notícias da televisão?”. Esbocei um “ãh!”, mas de forma contida para não espantá-la com minga admiração por sua arguição. Com certeza eu concordo com ela que a linguagem noticiosa televisiva tem que ter uma repaginação verbal com o óbvio ululante das perguntas dos jovens repórteres; com sotaques padronizados; com o pegar do microfone homogênio; com ângulos de imagens previsíveis...
Mais tarde ela mesma estava ouvindo música e, se não me engano, era música sertaneja, e ela falou pra ela mesma, mas eu ouvi, que esse tipo de música deveria ter uma variedade linguistica. Quase que corri para me abaixar e beijar seus pés, como aquele Papa se agachava para beijar o chão por onde passava, e lhe dizer que ela estava corretíssima em seu discurso analítico-linguístico.
A novela que passava naquele momento ela também argumentou que deveria haver uma variedade linguística. Maurinete ouviu ela ser claro em sua proposta mas nada comentou, e eu também ouvi e fiquei a imaginar que seria uma revolução nos costumes brasileiro se realmente houvesse essa tal variedade linguística. Mesmo que o Manoel Carlos faça inserção do cotidiano de certas categorias de vida – o da sua atual novela trata dos paraplégicos -, mas seu pecado é que padroniza as personagens com os mesmo nomes para todas suas novelas. Mas isso seria irrelevante para o desejo de Lelê em se ter variedade linguística nas novelas.
Nunca vi uma frase de efeito bater em seu ouvido e colar de forma tão nítida como essa frase. Em nossa biblioteca temos o livro de Umberto Eco, Tratado Geral de Semiótica, que eu ainda não li, mas tenho certeza de que ela não foi lá e pegou o livro e descobriu algo do gênero para ela ser generosa com essa frase de “tem que ter uma variedade linguística nessa...”.
Lelê me perguntou quanto saiu o resultado do último jogo do Fluminense, time de seu coração, e eu lhe disse que não sabia, e mesmo assim ela emendou que o futebol deveria te uma variedade linguística”. Quase que beijei sua testa em agradecimento por sua lucidez ludopédica. É lógico que, se ela falasse isso pro meu amigo Alcindo, a quem ela tem apreço por ser também tricolor, ele iria discordar e dizer que o time do Santos estaria arrebentando a gramática da pelota com seus placares elásticos, como os próprios elásticos de Robinho.
Bem, a verdade é que já era quase dezenove horas e eu ouvi a voz de um guri lá fora chamando Letícia pra ir brincar na rua, e ela saiu correndo leve e solta, voando, como um vento que passasse pelo meu cérebro em estado de digressão, a observar que o mundo infantil é repleto de variedade linguística.

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