Roberto Carlos tem uma
música que diz que quer ter um milhão de amigos. Acredito que foi uma música
feita pré-internet. Em sendo o Rei Roberto, poderia até mesmo ter seu milhão de
friends se assim o quisesse. Mesmo que só os que vestissem azul, mania do king.
Estava eu navegando no
facebook, precariamente, pois ainda não sei navegar de todo, quando chega Lelê
e observa que tenho setenta amigos. Fiquei espantado, pois não sei como
alcancei esse tantão de gente amiga digital. Diante de minha perplexidade ela
informou-me que isso não representava nada, pois ela mesma tinha setecentos e
trinta!
Fiquei abismado mais ainda. Eu, na idade dela, jamais
teria uma coleção tão vasta de amigos, e vem ela assim, me esbanjando
setecentos e trinta amigos! Refiz-me do susto e achei que deveria ter era
orgulho por minha filha ter tantos amigos. Está ela cercada de gente amiga por
todos os lados. Urruuu!!! Minha filha é uma ilha de amigos!
O mundo cibernético é fantástico!
Então resolvi encostar Lelê na parede e perguntei se ela conhecia todo esse
pessoal. Respondeu que sim, mas não com aquela convicção de se envaidecer. Pelo
tom de sua voz percebi, ou analisei mentalmente, que esse universo de amigos de
minha filha é meio falso. Logo vi que não era possível uma garota de pouco mais
de uma dezena de anos ter tanta gente próxima a ela. Se fosse assim, poderia
ela até se candidatar a, sei lá, vamos aí... Deputada Distrital, já que não
temos vereadoras, mesmo achando eu que isso seria uma desgraça para ela, já que
a classe política está mais para inimizade.
Poderia eu explicar-lhe que
esse tantão de amigos não são o mundo representativo de suas verdadeiras
amizades; que essa carteira de amigos não passa de pixels na tela do
computador. Seus verdadeiros amigos são os que estão no seu coração de
estudante, no seu coração de filha para seus pais, que, provavelmente fazem
parte dessa lista digital de setecentos e trinta amigos. Sim, lógico, eles
devem estar conectados com ela nessa lista. Mas não, eu não quero desmanchar
seu prazer, porque no fundo no fundo, ela acredita que é uma menina
queridíssima por tanta gente, e ela está feliz por isso. Quem deve peneirar
suas amizades nas nuvens digitais é só ela, refinando suas tecladas em palavras
concisas de kkkk, rsss, e outros grunhidos gráficos , expressões em desenhos
emotions.
Entendo perfeitamente a
realidade digital de amigos de Lelê. Quando eu era criança meu universo
geográfico de encontros com a galera era na rua, nas praças, no colégio, na
casa das amigas e amigos, nas esquinas das ruas, no cinema, no açude, no
meio-fio da calçada sentado papeando, no campinho de futebol em terrenos
baldios, no pátio do colégio, na biblioteca pública, na rodoviária, no clube
social, nas escadas das igrejas, no parque de diversão, no circo, no cemitério –
em dia de finados, no enterro de gente conhecida, no bar, na budega, na padaria,
no cabaré, na casa do vizinho... Hoje Lelê se encontra com sua galera em maior
frequencia no facebook, no e-mail, no istagram, no blog, no celular, no tablet,
no galaxy – não sei se está correta a grafia -, na antena digital, nas nuvens
digitais.
É preciso entender os
universos infantis de cada um, meu e de Lelê. E eu entendo perfeitamente que a
geração de Lelê é isso, não tem retorno. Eu pronunciava as palavras ao vivo,
Lelê pronuncia teclando online, ou até mesmo por câmeras, olho no olho digital.
Sim, mas retornando, e
concluindo, ao fantástico número de amigos que as pessoas tem hoje em dia na
internet, espero que Lelê um ida reúna toda essa galera para celebrar a amizade.
Aqui em casa não vai dar. É muita gente. Não há espaço suficiente para essa
reunião. Que tal todos se darem as mãos num pendrive de oito mega gigabytes?